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Na morte prematura do Padre Matteo Balzano “Podias ser meu filho” mas foste embora (pelo pe. Miguel)

 

 

 

Num dia quente de Verão, o Pe. Matteo Balzano pegou em si e foi-se embora. Italiano do norte, com uma paróquia confiada a si, tinha 35 anos e tinha sido ordenado presbítero há oito. Foi encontrado morto em caso. Morte matada.

Ignoram-se ainda precisamente os contornos, as circunstâncias, o contexto, a motivação ou motivações para ter dado tal passo, para ter chegado ali, a esse ponto de não retorno, para ter decidido assim. A despeito disso, desde a primeira hora que, sobretudo nas redes sociais, no mundo digital, na autoestrada virtual, se foram acotovelando entre nós os papagaios palradores do costume, debitando o que não estavam minimamente em condições de debitar. Sim, o que eu fui vendo, em confrangedor espectáculo, foi gente (e sim, colegas, sobretudo) a opinar, a comentar, a especular, remetendo, com todas as certezas que os idiotas (tomo a terminologia de Bertrand Russell) normalmente têm, para um caso-limite de “burnout” (esgotamento extremo que, no caso dum padre, toca desde a vertente psicológica à moral e à espiritual, sem deixar de passar, claro, pelo mundo das emoções e dos afectos). 

Vamos ver: não é que não tenham levantado um problema muito sério e bem real – o “burnout” dos padres. Não deixa de ser uma preciosa chamada de atenção, um alerta. Há excesso de trabalho, activismo, pouco jeito às vezes no equilíbrio de funâmbulo entre real e ideal, proximidade e distância; doutro lado, ingratidão, gente que não quer pastores, mas criados, perseguição. Porém, o problema é mesmo a especulação. Não era o momento. Se há um desejo genuíno, no imediato, de honrar a partida do colega e fazer memória dele (memória boa, justa, bela, sem filosofias ou “causas”), o mais que tinham de fazer tais papagaios era guardar silêncio.

Desgraçadamente, não falta quem esteja a usar o Pe. Matteo como bandeira. É vergonhoso ver alguns papagaios meterem de fora o bico (em certos casos gasto, como o daqueles velhos aparos) para dar lustro às suas convicções, quando, repito, pouco ou nada se sabe acerca desta morte – e se ela nada teve a ver com “burnout”, mas se relacionou com alguma situação concreta de saúde ou um episódio familiar, coisas pura e exclusivamente “civis”, humanas? Vomitar clichés e tiradas fofinhas ou então palavras de ordem e palradelas afins… Matteo, até parece que, embora sinistro demais para acreditar, lhes interessa mais a tua morte do que a tua pessoa. Triste.

O que eu sei do suicídio, genericamente (e vi gente próxima ir por aí), enquanto tive já de celebrar o funeral de outros, é que basta um nanossegundo para a vida se tornar um fardo tão insuportável que. Percebes? Não pode haver frases completas para falar de. É, de certa forma, atraiçoar. Matar. Ver colegas a fazê-lo é incompreensível e absurdo. Por muito que usem e gastem o álibi das boas intenções – sabemos onde elas por hábito param. “Porque no te callas?”, perguntou um dia o Rei Juan Carlos a Fidel Castro. Faço o mesmo pedido a estes colegas. Calai-vos, por amor de Deus. Guardai silêncio. Respeitai a memória do Pe. Matteo. Não vos precipiteis como abutres sobre o cadáver, devorando os ossos da notícia.

Agora é para ti, jovem e pobre Matteo. Não fomos a tempo. Desculpa. Pergunto-me se deste sinais, se deixaste alguma explicação escrita, se terás revisitado nos últimos instantes aquele “click” que te fez querer vir a ser padre. É importante que frequentemos com alguma assiduidade esse momento. É tão importante para a nossa saúde mental e espiritual como cuidar um animal de estimação ou um jardim, ir ao cinema, ao teatro, ao concerto ou ao museu, praticar algum desporto ou fazer simplesmente exercício físico, ler algum bom livro espiritual ou de ficção ou até escrever algo – por exemplo, um diário, tomar um café com um amigo. São os pequenos nadas que fazem toda a diferença.

Morreu um pouco de mim, Matteo, quando soube da tua partida. Lembro a célebre frase de John Donne e digo que os sinos também dobram por mim. Gostava de te ter conhecido. De te poder ter recordado que nada nos pode jamais separar do amor de Cristo (cf. Rm 8,35-39) e que ELE prometeu que estaria connosco até ao fim dos tempos (cf. Mt 28,20). “Podias ter sido meu filho” mas foste embora. Mas foste o filho muito amado daqueles que te deram a vida. E permaneces filho muito amado d’Aquele que dá a vida a todos e a Si a todos quer atrair para em nós ser tudo.

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Pe. Miguel Miranda

12 julho 2025