Esta semana li um artigo que me alertou para uma realidade atual de grande importância.
Afirma-se aí que parece estar a esgotar-se o tempo do ateísmo, particularmente do militante (embora saibamos que existem inúmeras organizações que o promovem), e que estamos a mergulhar num período de agnosticismo impressionante, o qual, de forma persistente, se infiltra em todos os âmbitos da vida. Já o intuía, mas não lhe estava a dar a devida importância. No mesmo artigo, refere-se também um interesse crescente pelas espiritualidades.
Houve um tempo em que o ateísmo, como negação de qualquer divindade, predominava – não se acreditava nem se aceitava qualquer compromisso ou experiência espiritual. Só se dava crédito ao que a ciência conseguia comprovar. Paralelamente, existia a dinâmica teísta, que, naturalmente, parte da crença em uma ou várias divindades. Ao longo da história, dizem, não foram muitos os verdadeiros ateus. Só com o Iluminismo e a revolução científica surgiu a convicção de que a Bíblia já não conseguia oferecer respostas convincentes às grandes questões humanas.
Hoje, existem muitas formas de descrença, desde o ateísmo prático ao teórico, todos empenhados em demonstrar a inutilidade ou a inexistência de Deus.
Porém, não se deve confundir ateísmo com agnosticismo. O ateu declara a não existência de Deus. O agnóstico, por sua vez, afirma não ter conhecimentos suficientes para provar se Deus existe ou não. Nem se preocupa em aceitar, nem se incomoda em refutar.
Atualmente, muitos começam a falar de pós-teísmo ou "anarteísmo", ou seja, um regresso a "Deus depois de Deus e, por isso, sem Deus". Trata-se de uma nova relação com o absoluto, que nem sempre conseguimos explicar ou interpretar. Parece que estamos à procura de uma nova imagem de Deus, enquanto assistimos ao aproveitamento instrumental das religiões e das escrituras sagradas – muitas vezes para justificar comportamentos desorganizados e interesses manifestamente pessoais. Fala-se em "partido de Deus", sem referência ao essencial, e em "enviados por Deus" como forma de persuasão. Deus serve para tudo, inclusive para matar ou destruir.
Paralelamente a estes fenómenos extremistas, observamos uma procura – mais ou menos camuflada – daquilo que sempre se chamou espiritualidade. Valoriza-se um bem-estar pessoal, quase sempre temporário, que ajude a enfrentar as agruras da vida. Será isto um regresso à religião? Ou será necessário reconhecer a inquietação interior e a procura de caminhos de encontro com Deus como uma verdadeira necessidade do homem moderno?
Para este, já não bastam as fórmulas tradicionais. A Igreja, nas suas comunidades, terá de se convencer desta realidade. São precisas novas propostas capazes de oferecer um verdadeiro “teísmo”. Urge escutar os nossos companheiros de jornada – talvez amigos com formação cristã – que hoje afirmam necessitar de Cristo, mas não da Igreja. E é este Cristo Vivo que temos o dever de propor e oferecer.
Urge redescobrir o verdadeiro rosto da espiritualidade, não como mero conjunto de crenças, mas como graça de encontro consigo próprio, com Deus e com os outros. Há muitas coisas apelidadas de espiritualidades, e já se fala em espiritualidade sem Deus. E não podemos ignorar este detalhe, nem fingir que não existe.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece já que a qualidade de uma verdadeira espiritualidade é fator determinante na qualidade de vida. Defende-se que, numa interpretação multidimensional da saúde, este fator não pode ser desconsiderado.
Se me é permitido partilhar uma convicção que me acompanha, e que vi confirmada no programa do Papa Leão XIII, acredito na urgência de se dar mais espaço à interioridade. Para dar credibilidade a este pensamento, deixo uma citação – um pouco longa, mas profundamente interpeladora – de Santo Agostinho, que é bem conhecida:
“Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu procurava-te fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu chamaste-me, e o teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste, e a tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste a tua fragrância, e, ao respirá-la, suspirei por ti. Saboreei-te, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e agora ardo no desejo da tua paz.”