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Formação e ensino na era da Inteligência Artificial

Vivemos um momento de transformação estrutural na forma como aprendemos e ensinamos. A emergência da Inteligência Artificial (IA) e a sua integração crescente nos processos produtivos e sociais colocam em causa os modelos clássicos de formação e ensino, desenhados para um mundo linear, previsível e centrado na acumulação de conhecimento estático.

Num contexto em que os algoritmos são capazes de gerar código, criar conteúdos, analisar dados em tempo real e aprender com volumes massivos de informação, a pergunta impõe-se: que competências são hoje realmente valiosas? E como devem as instituições de ensino preparar as novas gerações para trabalhar e viver num mundo moldado por sistemas inteligentes?

O ensino tradicional está em crise?

Durante décadas, o ensino seguiu um modelo de transmissão de conhecimento vertical: o professor detém o saber, o aluno consome-o. Mas a IA muda esta lógica. Hoje, qualquer aluno com um smartphone pode aceder ao mesmo conhecimento técnico que um especialista, em segundos. Plataformas como Khan Academy, Coursera ou edX já democratizaram o acesso à aprendizagem. Ferramentas como o ChatGPT tornaram-se verdadeiros tutores pessoais, disponíveis 24/7, altamente adaptáveis ao ritmo de cada utilizador.

O modelo tradicional centrado em memorização, exames e programas fixos torna-se, assim, obsoleto perante um mundo onde o valor está na capacidade de interpretar, aplicar, resolver problemas complexos, colaborar e adaptar-se continuamente. As “soft skills” tornam-se “core skills” e marcam a diferenciação.

Competências para a era digital

A formação deve hoje privilegiar competências como pensamento crítico, literacia digital e ética tecnológica. Saber interagir com sistemas de IA, validar resultados, tomar decisões com base em dados, liderar em ambientes digitais e trabalhar em equipas multidisciplinares é cada vez mais relevante do que dominar uma tecnologia específica, que rapidamente será ultrapassada.

O foco deve deixar de estar na ferramenta, e passar a estar no raciocínio que a governa. A capacidade de formular boas perguntas à IA é tão importante como saber interpretá-la. A literacia de dados, a sensibilidade ética e o entendimento básico de algoritmos, machine learning e modelos preditivos têm de ser parte integrante da formação base, desde o ensino secundário até à formação executiva.

Formação contínua, personalizada e just-in-time

Com ciclos tecnológicos cada vez mais curtos, o modelo “formação inicial seguida de carreira” é substituído por uma lógica de aprendizagem contínua. Empresas, universidades e centros de formação precisam de colaborar para criar programas modulares, flexíveis e adaptáveis, que respondam rapidamente às novas exigências do mercado.

A IA pode, e deve, ser usada como motor dessa personalização. Sistemas de recomendação, análise de progresso, feedback automático, geração de conteúdos adaptados ao perfil e estilo cognitivo de cada formando são já realidade em várias plataformas. A formação deixa de ser apenas presencial, síncrona ou programada. Passa a ser "on demand", "just-in-time" e centrada no utilizador. Mas o papel do professor manter-se-á sempre como o condutor do aluno por esta jornada.

O papel das empresas e dos decisores

É também papel das organizações empresariais (e dos seus CIOs, CTOs, CHROs e CEOs) repensar os modelos internos de desenvolvimento de talento. A IA não irá eliminar empregos, mas irá transformar a natureza das funções. É essencial identificar, formar e reconverter perfis, promovendo o upskilling e reskilling com rapidez e visão estratégica.

Em paralelo, os decisores políticos têm de acelerar a adaptação dos curricula nacionais, apostando em parcerias com o sector privado, desenvolvendo programas de formação dual, e introduzindo disciplinas de IA, cibersegurança, ética digital e cidadania tecnológica desde os primeiros ciclos.

Conclusão

A IA não é uma ameaça ao ensino – é uma oportunidade para o reinventar. Mas exige coragem para romper com dogmas, descontinuar modelos obsoletos e investir seriamente na formação como alicerce da competitividade futura. A educação na era da IA não pode ser apenas tecnológica; tem de ser profundamente humana. O desafio está em saber equilibrar ambas.

Guilherme Teixeira

Guilherme Teixeira

9 julho 2025