Após a preparação e participação nos Percursos Afetivos com o Cadu Cinelli, nos quais fomos convidados a pensar e sentir Braga não apenas como uma cidade — mas como um corpo vivo, pulsante, onde cada rua, cada praça, cada recanto representa um órgão essencial e cada espaço cumpre uma função vital. Com partida no Mercado Municipal, ponto de encontro e coração logístico deste projeto, percorremos três circuitos temáticos que nos permitiram contemplar Braga tal como ela é — e como ela vive em nós. Sem o filtro dos roteiros turísticos, pudemos viver uma cidade de memórias, afetos e movimentos.
Neste exercício de escuta e atenção, percebemos Braga como um organismo que tenta funcionar em harmonia, mas que por vezes se vê bloqueado, congestionado, ofegante. Um corpo onde, em vez de fluidez, sentimos tensão nos músculos urbanos — especialmente onde o carro domina.
No coração da cidade — o chafariz, a Arcada e a Avenida Central — pulsa a alma bracarense. Aí acontecem encontros casuais, grandes eventos, celebrações e protestos. Como batimentos cardíacos, esses momentos marcam o ritmo da vida da cidade. Mas mesmo neste centro vital, quando tentamos percorrê-lo de bicicleta, com suavidade e respeito, somos travados. Espaços amplos que poderiam acolher a bicicleta de forma natural tornam-se interditos. Fomos obrigados a desmontar e caminhar, enquanto os carros continuam a circular. A pergunta impõe-se: que prioridade damos aos diferentes modos de viver a cidade?
A bicicleta, por ser um meio de transporte silencioso, ágil, ecológico e acessível, permite-nos experienciar a cidade com outra sensibilidade. Ao pedalar, escutamos sons que o carro abafa, sentimos os cheiros dos jardins e dos cafés, percebemos o relevo e as texturas do espaço urbano. Mas ao sair do centro e rumar a pontos como a Ecovia do Rio Este, o Parque da Ponte ou o Complexo das Sete Fontes, a narrativa muda. O percurso, ainda que belo, é frequentemente interrompido por avenidas que funcionam como feridas abertas — faixas largas, perigosas, dominadas pelo ruído e pela poluição dos automóveis. Estas artérias dificultam a ligação harmoniosa entre os espaços vitais da cidade.
E, no entanto, há exemplos que provam que outra Braga é possível. A renovada Avenida da Liberdade, que hoje se abre como um braço acolhedor, mostra-nos o poder da transformação urbana. Onde antes havia apenas trânsito e barulho, há agora passeios largos, bicicletas, trotinetes, esplanadas e encontros. Sente-se ali uma nova energia — a da vida urbana em equilíbrio.
Se olharmos para Braga como um corpo, então é tempo de cuidar da sua saúde. E isso implica oxigená-la, aliviando a pressão do automóvel e criando mais vias suaves, mais espaços onde o pedalar tranquilo possa coexistir com a caminhada lenta. Artérias amplas, agradáveis, seguras.
Não se trata de eliminar o carro, mas de repensar o seu papel. A bicicleta não é apenas um meio de transporte. É uma forma de estar, de sentir, de viver a cidade com mais atenção e presença. E quanto mais cuidarmos desse corpo coletivo que é Braga, mais ele retribuirá em qualidade de vida, em saúde pública, em bem-estar urbano.
Está nas nossas mãos (e nas nossas pernas) decidir que cidade queremos construir. Uma cidade congestionada ou uma cidade que respira? Uma cidade barulhenta ou uma cidade que se escuta? Uma cidade partida por carros ou unida por pessoas?
Braga tem tudo para ser um corpo que flui com leveza. Falta apenas o espaço para que isso aconteça.
