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A Reforma do Estado

A lei da nacionalidade, a imigração, o julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates, bem como as próximas eleições presidenciais, são temas que estão na ordem do dia. Cada um à sua maneira tem concentrado as atenções da comunicação social e da opinião pública e seguramente continuarão a suscitar a maior atenção e interesse nos próximos tempos. Seria pois normal que sobre eles hoje escrevesse acompanhando o coro de vozes que a seu respeito se pronuncia, mas entendi não o fazer. Pelo menos por enquanto. 

Decidi assim escrever sobre um assunto menos mediático, mas nem por isso menos relevante: a reforma do Estado. Faço-o não só pela circunstância do Governo a ter anunciado (até criou um Ministério para o efeito e até o colocou organicamente à frente do Ministério da Defesa Nacional), mas pela simples razão de que ainda não entendi o que é proposto ser feito. Pode ser pura distracção minha, e seguramente é, mas quando ouvi que há a pretensão de desburocratizar, de eliminar serviços, de facilitar o acesso dos cidadãos e das empresas à administração pública, perguntei-me a mim próprio se isso justifica o anúncio e um Ministério. E porquê? Porque a verdadeira Reforma do Estado não existirá sem uma reflexão séria sobre cada uma das suas áreas de intervenção, a começar desde logo pela Educação e pela Justiça. Sem embargo da consideração que me merecem quer o Ministro da Educação, quer a Ministra da Justiça, há questões que deveriam ser objecto de análise por muito que isso implique questionar verdades que foram sendo construídas em função de critérios muitas vezes de pendor meramente estatístico ou até ideológico. 

Comecemos pela Educação e por dois aspectos simples: Bolonha e candidatura às Faculdades. Quanto a Bolonha seria interessante saber o que ganhámos com a diminuição do tempo da esmagadora maioria das licenciaturas, acompanhada essa situação de igual diminuição na preparação dos estudantes que concorrem às Universidades. Dirão alguns, quem sabe muitos, que uma coisa não tem relação com a outra, mas há nessa perspectiva um erro. Estudantes cada vez mais impreparados e que entram nas Universidades para obterem licenciaturas em seis ou oito semestres (e os semestres de aulas não correspondem na maior dos casos a igual número de meses), são futuros profissionais com graves lacunas. Não o assumir ou não o querer ver pode ser conveniente, mas é imprudente. Por outro lado, e no que respeita à candidatura às Faculdades, seria de perguntar o que impede a existência de exames de admissão que sejam independentes das classificações obtidas para a conclusão do ensino secundário. Bem sei que as medidas recentes, e que visam alterar os critérios das médias obtidas, são medidas positivas, todavia escassas face ao que no meu entendimento deveria ser feito. Está por provar que um estudante que entra numa Faculdade com média de 19 venha forçosamente a ser melhor profissional do que um que nela não entrou com média de 17. O que impede as Faculdades, e ninguém mais do que elas próprias, de definirem os critérios de admissão através de exames que avaliassem as reais aptidões de quem as quer frequentar? 

Permitam-me agora umas breves palavras sobre a Justiça, apenas para fazer quatro simples perguntas:

Seria um crime de lesa democracia se os juízes antes de o serem fizessem um percurso no Ministério Público? Colocaria isso em causa a legítima autonomia do Ministério Público e a legítima independência dos juízes face ao poder político?

Faz sentido que a candidatura à magistratura se faça apenas com a parte curricular do mestrado, atendendo à diminuição, tal como disse anteriormente, do número de anos para a obtenção de uma licenciatura em Direito?

Faz sentido ser o Governo a propor a nomeação e a exoneração do Procurador- Geral da República?

Seria ou não de ponderar uma profunda mudança no Código de Processo Penal?

As questões agora colocadas, seja no que respeita à Educação, seja no que respeita à Justiça, mereceriam um amplo debate e uma afirmação de vontade política. Desse modo poderíamos acreditar numa verdadeira Reforma do Estado, caso contrário temo que apenas estejamos a contribuir para um exercício menor que apenas nos atrasa e seguramente enfraquece.

Manuel Monteiro

Manuel Monteiro

4 julho 2025