Atónito e quase em silêncio, o mundo assiste à agonia do Direito Internacional. As normas que
deveriam reger as relações entre Estados e as respectivas soberanias, proteger civis, garantir a
paz e responsabilizar e punir os prevaricadores estão hoje paralisadas ou são claramente
violadas.
A invasão e guerra na Ucrânia, a devastação de Gaza e os confrontos crescentes no Médio
Oriente, com a consequente nova corrida ao armamento, aí estão como sintomas de uma ordem
internacional à beira do colapso.
E esta situação é inquietante e paradoxal, apesar de há muito se ter consciência de quão urgente
é a revitalização do vigente quadro jurídico internacional e a alteração do desenho das
instituições que o aplicam.
De facto, o bloqueio sistemático do Conselho de Segurança da ONU pelo uso do veto tem-se
acentuado e as crises humanitárias em cenário de guerra vêm assumindo proporções sinistras e
verdadeiramente catastróficas. Não porque as práticas sejam novas, mas porque, apesar de
tudo, havia uma certa contenção e alguma disciplina e o propósito de manter a legitimidade
internacional num patamar mínimo, ao menos no domínio do simbólico.
E não era suposto que tal acontecesse mesmo com a mudança do sistema unipolar, dominado
pelos EUA, para o mundo multipolar em que hoje vivemos, em que concorrem diferentes
modelos de poder e princípios e valores que estão nos antípodas, mas em que, todavia, seria de
esperar mais equilíbrio e respeito mútuo.
Porém, assim não sucedeu. Certas potências, invocando motivos de “segurança
nacional”, “autodefesa” ou “interesses vitais”, muitas vezes à margem de consensos morais
mínimos, passaram a agir em roda livre, fora das regras comuns, segundo a lei da força bruta!...
É neste contexto que se impõe a questão crucial de como revitalizar o Direito
Internacional e devolver ao mundo uma das suas grandes utopias: a paz.
Acredito que o império da Lei e da Justiça sobre a força bruta tem condições para
vingar. É uma questão civilizacional, de razão, de fé, de valores e de educação. Mas também
de coragem reformista e de recusa do que é intolerável, da barbárie e do horror.
Como creio igualmente que a revitalização do Direito Internacional só será possível
através de uma reconstrução baseada numa síntese entre universalidade e pluralismo, firmeza
de princípios e abertura à diversidade cultural e política dos povos, que recuse tanto a imposição
de um modelo único quanto o relativismo que tudo desculpa.
Nesse sentido, tal síntese deverá assentar nas seguintes bases normativas: consagração
de valores universais não negociáveis (v.g. paz, dignidade e direitos humanos, equilíbrio
ecológico e limitação do poder pelo direito); e de instituições judiciais verdadeiramente
operantes, sem vetos paralisantes.
Sem este pensamento aberto e sem esta atitude tolerante, jamais o mundo será capaz de
criar um Direito Internacional Público credível, realizável e justo!