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Diógenes e a lanterna

Estou a imaginar a cena, obviamente hilariante e mordaz, ali por 455-360 A. Cristo: de lanterna bem acesa, em pleno dia, Diógenes de Sinop ou simplesmente Diógenes, procura, na incarnação do ideal cínico, pelas ruas de Atenas, quem mereça o qualificativo de Homem; e da sua incansável busca nada mais resulta do que a inexorável frustração do vazio.

Pois bem, a tantos e tantos séculos de distância, as coisas não parecem ter melhorado assim muito; e, em certos setores da vida social, até estejam bem piores para desencanto e pasmo de algum Diógenes de ocasião e boa vontade.

Mormente pensando que certos valores como a justiça social, o altruísmo, a solidariedade, a coerência, a seriedade, a amizade, ou a paz – qualificativos plenamente humanos – não passam muitas vezes de palavras fáceis e bonitas na boca de certos cidadãos que não nos seus corações; e, então, se outro Diógenes de Sinopse se abalançasse, hoje, a tão aturada e íngreme tarefa, não digo nas ruas da nossa cidade, tão atafulhadas que andam de pessoas e besouros de lata, mas em determinados corredores da vida política nacional, regional e local, sobretudo em períodos de campanhas eleitorais ou de crises governativas, mesmo com duas lanternas, uma em cada mão e profusamente acesas, dificilmente lograria algum êxito.

E isto porque todos sabemos que determinados políticos, salvo uma ou outra honrosa, mas rara, exceção, proveem de uma casta muito original e bisonha; e, assim, apostam muito no improviso, na retórica, nos golpes de mágica, só que nada ou quase nada de interesse, de necessidade ou de garantida realização empreendedora conseguem tirar da cartola; daqui resulta a falta de coerência, de verticalidade, de visão estratégica, de disciplina de execução e compromisso sólidos, qualidades que, inerentes a uma forte e segura liderança, quer nas palavras, quer nos atos, tão caras e desejadas são para o povo que os elege e que, deste modo, não têm passado de ovos de Páscoa, só para enfeitarem e por tempo fugaz as suas congeminações pantagruélicas de poder.

Custa-me, francamente, a aceitar que um político, seja a troco do que for, afirme hoje, preto no branco, o que nega amanhã, ou vice-versa, embora se diga muitas vezes que em política não há certezas e que o que parece é; e, até, porque continuo a pensar que é pelos Homens, com letra maiúscula, que é como quem diz íntegros, competentes, verticais e coerentes em tudo e em toda a parte, que estas falácias não passam, nem têm lugar.

E se em certas práticas políticas não tem havido lugar, nem tempo e modo para estes Homens que é como quem diz para a prática da solidariedade, da dignidade, da competência, da honestidade, do altruísmo e da coerência, em resumo, do estadismo, já pouco ou nada há a afazer; e, então, apenas tempo e ato solene será de, parafraseando Sá de Miranda, mas bem ao jeito de certa politiquice que por aí abunda e reina, caricaturar a situação, declarando:


 

Homem de um só rosto

De um só querer, de uma só fé,

De antes quebrar que torcer

Outra coisa pode ser
Mas da… política homem não é.


 

E, em jeito de desabafo, pergunto: até quando e onde, já que o país carece e cada vez mais mingua de reformas estruturais, de certezas capazes, de políticas certas e seguras; e tristemente nos teremos de confrontar com mais seguidismos, populismos, compadrios, corrupções e arranjismos que em nada garantem um futuro seguro e feliz para todos nós.

Então, até de hoje a oito.

Dinis Salgado

Dinis Salgado

2 julho 2025