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OS DIAS DA SEMANA Estoutro. Refugiados e imigrantes pobres numa democracia compassiva, de Inês Espada Vieira

 

 


 


 

Estoutro, Refugiados e imigrantes pobres numa democracia compassiva, da autoria de Inês Espada Vieira, professora da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e presidente do Centro de Reflexão Cristã, é um ensaio breve de leitura premente. Num tempo tão propenso à mais cruel demagogia populista; ou, melhor, num tempo tão sobrecarregado de ressentimento e ódio, o ideal seria que aqueles que fomentam um e outro escutassem as chamadas de atenção contidas neste livro agora editado pela Universidade Católica Editora. Sendo improvável que tal ocorra, resta que todos os que se preocupam com o bem comum reflictam com um módico de empatia sobre a situação dos refugiados e imigrantes pobres.

Há neste livro um esclarecimento e uma incitação que vale a pena sublinhar.

O esclarecimento, particularmente oportuno, diz respeito a uma realidade algo paradoxal. Quando certas vozes gritam contra os imigrantes não é exactamente contra os imigrantes no seu conjunto que se manifestam. É contra os imigrantes pobres. Os vitupérios contra os imigrantes não visam os imigrantes endinheirados, aos quais, de resto, não se regateiam privilégios.

“Não temos repulsa ao estrangeiro como tal, sobretudo não nos incomoda o estrangeiro rico que se instala no Sul para desfrutar dos prazeres da reforma confortável, o turista que aterra no aeroporto, a quem abrimos as portas dos hotéis e dos restaurantes, o trabalhador produtivo e útil à nossa economia, o casal jovem, de computador na mão e wi-fi ligado”, observa Inês Espada Vieira, na senda da filósofa espanhola Adela Cortina que, como a autora refere, denunciou a “aporofobia”, essa “doença social” que manifesta “a fobia, a repulsa, a aversão ao áporos, ao pobre e desamparado. É a repugnância face ao Outro desvalido”. Uma tarefa urgente é encontrar para esta “patologia social” um tratamento eficaz, afirma Inês Espada Vieira, sublinhando o repto de Adela Cortina.

A “aporofobia” tem de ser combatida. “O desdém e a perseguição do pobre não são atentados ‘contra a dignidade humana’, em abstrato, mas contra a dignidade de pessoas que têm nome e apelido, que são reais e concretas e que sentem (sentem fisicamente até) esta violência”, explica a autora. Cada uma destas pessoas “é um Outro concreto, não idealizado, mas real”. É estoutro – outro, “símbolo do estranho e desamparado” e “este, com nome e biografia”.
Falar de migrações não é, pois, apenas falar de “regular fluxos, controlar números, inspecionar documentos, atualizar leis. É não abandonar a capacidade de ver as pessoas”.

Esta aptidão, já agora, é bem sustentada pela literatura. Como podemos ler em Eu vou, tu vais, ele vai, da escritora alemã Jenny Erpenbeck, o “movimento das pessoas através dos continentes já dura há milhares de anos, sem nunca ter havido interrupção”. O académico que protagoniza a obra bem constata que “houve comércio, guerras, deslocações, muitas vezes, as pessoas seguiam os animais que possuíam à procura de água e alimento, houve fugas devido a secas e pestes, busca de ouro, sal ou ferro, ou por a fé num deus só poder ser mantida na diáspora. Houve declínio, transformação, reconstrução e colonização, houve melhores ou piores caminhos, mas nunca uma quebra”.

Mas há ocasiões em que, como faz Inês Espada Vieira, se torna imperioso apelar à adopção de uma “ética da hospitalidade”. Para que ela se possa afirmar, é necessária uma “pedagogia cívica permanente”. Estoutro, Refugiados e imigrantes pobres numa democracia compassiva vem, muito precisamente, promovê-la, fomentando uma “cultura do encontro nas nossas comunidades, contrariando discursos binários e simplistas sobre identidades e cidadania”.

Como escreve Inês Espada Vieira, “é urgente o sentido ético na ação política que é para todos, e que é – numa dimensão institucional ou comunitária – a forma de cada um intervir no mundo, construindo a cidadania cosmopolita de prosperidade e justiça para todos os homens e mulheres, em qualquer lugar da Terra”.

Mãos à obra, é o que nos diz Estoutro.


 


 

Nota: uma primeira versão deste texto foi publicada no 7 Margens


 


 

Eduardo Jorge Madureira Lopes

Eduardo Jorge Madureira Lopes

29 junho 2025