twitter

Imigração

No radar das notícias relativas ao nosso país, para lá das guerras em curso no espaço próximo UE e das imposições de Donald Trump aos demais membros da NATO, sobrevêm as alterações que o atual governo adotou, ou se propõe implementar, no respeitante à política imigratória e à atribuição do direito à nacionalidade portuguesa.

Atenta a reconhecida falta de espaço nestas colunas, fincar-me-ei apenas na questão nacional da imigração, deveras saliente nos últimos anos.

Entre 2017 e 2024, a população imigrante em Portugal terá passado de pouco mais de 400.000 para cerca de 1,55 milhões de indivíduos. Cotejado com os países mais desenvolvidos da Europa do Centro-Noroeste, Portugal patenteia ainda hoje uma percentagem mais baixa de população imigrante, sendo que, entretanto, muitos destes recém-chegados terão adquirido a nacionalidade portuguesa, perdendo de alguma forma, por essa via, a categoria de imigrante, para se transmutarem em novos portugueses. 

Todavia, a mutação tem sido deveras acelerada e não pode dizer-se que plenamente bem-sucedida.

Em 2015, a ex-chanceler Ângela Merkel colecionou muitos, merecidos, elogios internacionais por ter patrocinado o generoso acolhimento, pela Alemanha, de cerca de 1,5 milhões de refugiados da violenta guerra civil na Síria. Em Portugal, em vários dos últimos anos teremos recebido, sucessivamente, percentagens de população imigrante aproximadas à então recebida pela Alemanha (que tem 8 vezes a nossa população).

A questão estará, porém, nos detalhes. Como é habitual, os alemães planeiam e executam melhor do que aquilo que fazemos por cá. Na Alemanha, a generalidade destes sírios foi devidamente alojada (em contentores, em muitos casos, mas com condições de habitabilidade aceitáveis); os mais jovens foram colocados em escolas alemãs, enquanto os adultos frequentavam cursos de alemão e de formação profissional, visando futuros empregos. Por cá, banalizaram-se nos últimos anos as imagens de candidatos a imigrantes que dormiam em meras tendas de campismo em espaços públicos de Lisboa, assim como as notícias de muitos trabalhadores estrangeiros, designadamente no setor agrícola, que se amontoavam em barracões ou em casas sem dignas condições de habitabilidade. 

Há quase um consenso de que o nosso país carecerá de imigrantes, atenta a falta de mão de obra em setores como a construção civil, a agricultura ou o turismo. Todavia, afigura-se que a liberalidade da “manifestação de interesse”, até há pouco prevalecente, não terá servido para acautelar e potenciar uma vida digna para muitos daqueles que almejavam um melhor futuro no nosso país. Quem defende que a “manifestação de interesse” deveria manter-se – nomeadamente várias associações de imigrantes ou partidos mais à esquerda – aponta que a supressão desse mecanismo empurrará para a clandestinidade um número crescente de estrangeiros, não originários da UE, que, de facto, almejam fixar-se e trabalhar no nosso país. Poderá, eventualmente, tal ser uma consequência, que importará combater. De qualquer modo, evidencia-se igualmente que a liberalidade decorrente da “manifestação de interesse” terá sido boa para os empregadores disporem de vasta mão de obra, a quem não precisavam de pagar mais do que o corrente salário mínimo, hoje deveras insuficiente para propiciar o acesso a condições dignas de vida, de habitabilidade, em Portugal. Em 2022, por exemplo, dados da PORDATA referiam que 1 em cada 3 estrangeiros vivia em risco de pobreza ou exclusão social (entre portugueses, o valor é mais baixo, ainda que também significativo).

A nossa economia ainda assenta muito em setores de mão de obra intensiva, que remuneram mal e empregam muita população migrante. Não será fácil resolver esta problemática “equação”, mas impõe-se tentar.

Nos longínquos anos 60 do século passado, muitos emigrantes portugueses habitavam nos deploráveis bidonvilles (bairros de lata) parisienses, poupando o dinheiro que serviria para construir a sonhada casa, no Portugal do seu coração.

Por cá, as televisões também nos “brindam”, de quando em vez, com imagens e reportagens de bairros ignominiosos, maioritariamente habitados por populações de origem imigrante. São os bidonvilles na versão lusa. Nada que nos deva causar orgulho, enquanto comunidade. Precisamos de fazer melhor. Precisamos de alterar paradigmas económicos e empresariais, e de repartir melhor os frutos do nosso desenvolvimento.

* Doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

27 junho 2025