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Para pior já basta assim!

 

 

Victor Hugo, romancista, ativista dos direitos humanos, estadista francês do século XIX, terá sido o primeiro defensor da ideia de uma Europa unida. Expressou-a em discursos e textos. Olhava para o continente e para um futuro livre de guerras e conflitos, usando a metáfora dos "Estados Unidos da Europa". Via a unificação como um passo em direção à paz e ao progresso. Precisamos de duas guerras mundiais, até outro líder europeu, Winston Churchill , voltar a brandir a ideia de uma Europa unida “para evitar futuros conflitos e garantir a estabilidade do continente”, uma ambição que só a Declaração Schuman, em 1950, sobre a qual passam 75 anos, conseguiu concretizar, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, aprofundada com a ajuda de Jean Monnet, um forte impulsionador da visão integradora dos planos do então ministro dos negócios estrangeiros francês. A ideia de uma Europa unida nos planos económico, social e político tem vindo a fazer o seu caminho de forma titubeante. Se nos dois primeiros planos, as metas alcançadas são visíveis, mas ainda insatisfatórias para as ambições de uma Europa coesa, pensar hoje no federalismo europeu é quase uma utopia. A eurodeputada Ana Catarina Mendes não pensa assim e lançou há dias um livro sofre os 75 anos da Declaração Schuman onde se assume convictamente uma defensora desta união à semelhança de outras figuras, como membros do movimento federalista europeu, desde logo Mário Soares, que desempenharam um papel importante na promoção da ideia e na sua concretização através da criação de instituições e tratados que visavam a união política da Europa. Apesar de Schuman acreditar que a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço era o primeiro passo para a criação de um espaço federal de estados, a degradação das democracias europeias contraria e torna indesejável esta ideia. Antes da primeira eleição de Donald Trump, nos EUA, eu era um acérrimo defensor dos Estados Unidos da Europa, mas a sua eleição fez-me pensar que uma união política e consequentemente uma eleição federal que pudesse eleger futuramente um homem como ele, era tudo o que não queria. Como diz a canção, “para pior já basta assim”. Compreendo o otimismo da eurodeputada e a sua vontade política, mas seria preferível pensar primeiro em debelar os principais problemas da Europa, aquela que os cidadãos elegeram em primeiro lugar para ter um futuro com qualidade de vida, com o contínuo combate ao flagelo dos milhões de pobres, aquela em que milhões de jovens continuam e milhões de pessoas da classe média desesperam para ter acesso a uma habitação condigna, aquela Europa em que todos querem viver sem medo de uma guerra. A Europa que ninguém quer, mas da qual somos dependentes, é ainda a Europa onde se vive o quotidiano sem se saber o que é verdade ou mentira, em que a perceção é a rainha do ensaio moderno da claustrofobia social em que vivemos, que nos torna impotentes, à mercê de estruturas gestoras de redes sociais criminosas, manipuladoras, criadoras de mundos paralelos radicais, violentos e destruidores de qualquer ideia de espaço de diálogo, de diversidade de opinião, de construção comum. Apesar da boa vontade da eurodeputada e de muitos daqueles que deram os seus depoimentos para o seu livro, o federalismo é hoje uma utopia, mais do que isso, uma ideia perigosa que deve ser abandonada pelos democratas. Infelizmente, basta olhar para o mapa do atual quadro dos 28 países, para perceber que alimentar esta ideia pode ser perigosa. Basta imaginar a possibilidade de o campo antidemocrático pensar nas suas vantagens e criar condições à sua viabilidade para que num tempo próximo, possamos estar a eleger como presidente de uma união federal de Estados, uma visão trumpista para pior na Europa. É melhor assim; continuar a ultrapassar com paciência as dificuldades e, na diversidade, aguentar e contrariar, no campo das ideias e das políticas com as decisões certas no capítulo económico e social, a tendência autocrática que alguns querem fazer vingar na Europa de Schuman.



 

Paulo Sousa

Paulo Sousa

22 junho 2025