Durante mais de um século, o desporto universitário norte-americano alimentou-se da narrativa do amadorismo, estudantes-atletas que competiam por paixão, lealdade institucional e bolsas de estudo. Enquanto essa retórica era romanticamente propagada, as universidades, organizadores e outras partes interessadas acumulavam receitas multimilionárias com direitos televisivos, merchandising e bilheteira. A recente decisão judicial que autoriza pagamentos diretos aos atletas universitários pode parecer, à primeira vista, apenas um triunfo da “justiça” e do materialismo económico.
A nova legislação, a vigorar a partir de julho de 2025, permite que cada universidade destine até 20,5 milhões de dólares por ano para compensação direta aos atletas, mantendo os contratos de direito dos atletas de obterem rendimento através do uso do seu nome, imagem e semelhança, ou seja, da sua identidade pessoal e marca individual, em ações comerciais como patrocínios, redes sociais, anúncios, merchandising, entre outros, para além de bolsas de estudo. Paralelamente, criou-se um fundo de compensação de 2,8 mil milhões de dólares destina-se a compensar os atletas que não beneficiaram das receitas de imagem. Esta mudança, ainda que significativa, parece não resolver problemas estruturais do sistema, apenas os transforma.
Com a criação do College Sports Commission, inspirado nas ligas profissionais como a NBA, institucionaliza-se uma lógica empresarial na organização desportiva universitária. A questão que se impõe é simples, estará o desporto universitário preparado para ser gerido com as mesmas métricas de mercado e lucro? E mais importante ainda, que papel resta à missão educativa das instituições neste novo cenário?
Os impactos desta profissionalização acelerada levantam sérias preocupações. A introdução de tetos salariais e limites de plantel pode marginalizar modalidades não lucrativas e afetar negativamente a diversidade desportiva e oportunidades para atletas de diferentes perfis. O risco de acentuar desigualdades de género também é real, já que as modalidades masculinas mais mediáticas tendem a concentrar a maior fatia dos recursos. Além disso, existe uma indefinição quanto ao “estatuto laboral” dos estudantes-atletas.
As reações à decisão são polarizadas. Enquanto a NCAA e os advogados dos estudantes-atletas celebram um "avanço histórico", várias vozes críticas alertam para a ilusão de progresso, e que alerta, que o novo sistema, ao não ser acompanhado por uma reforma profunda do modelo educativo-desportivo, poderá agravar tensões e criar uma elite de “estudantes-atletas universitários” com interesses muito distintos do espírito formativo que se pretende preservar.
O que está em jogo não é apenas a remuneração dos estudantes-atletas, mas a própria identidade do desporto universitário. Sem um modelo equilibrado, que assegure justiça económica mas também inclusão, equidade de género e valores educativos, corre-se o risco de transformar os campus em simples incubadoras de talentos para o mercado desportivo profissional, uma realidade que poderá afastar as universidades da sua vocação principal.
A NCAA encerra, de facto, um ciclo, onde este novo capítulo parece ser escrito apenas com cifras e contratos. Os amantes dos valores da educação e do desporto esperavam um revolução capaz de conjugar justiça económica com responsabilidade educativa e social, já que, esta “nova era” poderá ser no final, um velho problema com uma cara diferente.