A freguesia de Panoias, no concelho e arquidiocese de Braga – a minha freguesia, nascido no (então) lugar da Veiguinha – era uma povoação rural, e digo era porque já não é, de todo rural. A pobreza evidenciava-se, o analfabetismo altíssimo e trabalho, só nos campos e nas bouças: esses serviços eram miseravelmente pagos. Este modus vivendi dos Panoienses foi de sempre e, só a partir de 1960, se foram verificando melhorias: alguns postos de trabalho e, sobretudo, dinheiro de emigrantes.
No ano de 1944, a paróquia de Panoias recebeu um novo Pároco – o Pe. António Correia de Mesquita, natural de Calendário - V.N. Famalicão, vindo substituir o Pe. Simões.
Novo pároco, outras ideias, atento aos problemas existentes e preocupado em fazer e renovar, apercebeu-se do analfabetismo, do desemprego e não se admirou. Pois, o trabalho da maior parte dos paroquianos era ser ferreiro, barbeiro, trolhas de arranjar muros caídos e agricultores em tempo de colheita ou de sementeiras.
O senhor Abade, como lhe chamavam, preocupa-se por muito poucos paroquianos saberem ler e escrever. Conclui que na freguesia existe uma escola primária para meninas e outra para rapazes. Mas esta não funcionava. O professor, que morava em Merelim (S. Paio) e se deslocava em bicicleta, estava sempre doente e se fizesse frio ou chuva os alunos sabiam que o professor não vinha.
Daí, que os rapazes, no tempo de fazerem o exame da Quarta classe, apenas apareciam 4 ou 5 alunos por ano. Isto, para o Pe. Mesquita, era autêntica desgraça e o Director escolar de Braga insinuava-se preocupado. É que havia uma diferença grande entre as meninas que faziam a Quarta classe (10/15) e os rapazes que preparados apareciam 3, 4 ou 5.
O Pe. Mesquita procura resolver o problema: pede licença ao Bispo para criar “O Externato do Bom Pastor”; pede licença ao ministério da Educação para leccionar, gratuitamente, da Primeira à Quarta classe e o de ser-lhe garantido que os seus alunos fizessem a Quarta classe, conjuntamente com os alunos das outras escolas oficiais e, a Câmara Municipal, fornece as Carteiras com tinteiros integrados, colocadas no salão paroquial. E como era “Externato” sem fins lucrativos, iniciou-se como professor do Ensino Primário.
O Pe. António Correia de Mesquita, o preocupado, o pastor de ideias novas que quer fazer e renovar, aceita em 1946, os primeiros 20 meninos para a Primeira classe e todos os outros meninos que os pais quisessem transferir, gratuitamente, para o Externato. O sucesso estava à vista e a partir de 1950 os alunos do Externato do Bom Pastor eram anualmente 65/70 alunos, das quatro classes.
Assim, nas provas oficiais para a Quarta classe, o “Pe. de Panoias” apresentava aos exames entre 25 a 35 alunos! E sempre assim foi: muitos alunos em comparação com outras escolas.
Ora isto foi-se tornando num “escândalo”. Professores do ministério sentiam-se mal. Outros sacerdotes da periferia até cognominaram o Externato de a “Universidade de Panoias”. Tal sucesso, colocou ao rubro o ensino primário em Panoias e criou certos mal-estar nas redondezas do ensino oficial, que tentaram o boicote, chumbando os alunos.
Antes do Externato – à excepção do médico Guedes Machado e filhos - ninguém tinha a Quarta classe, hoje o 4.º ano. E nesse tempo, bastava ou era preciso ter a Quarta classe para se poder ser funcionário público e/ou bancário. Não se era obrigado tão-pouco a ir à escola. Porque, dizia Salazar, “para se ser agricultor não é preciso saber ler”.
Foram muitas centenas de rapazes, durante quase 20 anos, que passaram pelo ensino do “Pe. de Panoias”. O analfabetismo dessa geração acabou. Os Panoienses, de modo geral, sempre souberam reconhecer no Pe. Mesquita a sua dedicação e sacrifício pelas crianças da freguesia.
Eu fui um dos privilegiados em ter passado pela “Universidade de Panoias”. Nunca deixei de testemunhar ao Pe. António Mesquita o meu carinho e a minha gratidão: pelo que ensinou como professor, pela catequese que nos dava e pelas peças de teatro que no fim do ano lectivo apresentávamos, fazendo de todos nós futuros homens.
No dia do seu funeral – a pedido do ex-reitor do Sameiro sr. Pe. Morais, publicamente, terminei desta forma o meu testemunho como seu ex-aluno: “Aprendi a ler e foi o nosso senhor Abade o meu Mestre; aprendi a conhecer Cristo e Sua Mãe e foi o nosso senhor Abade o catequista principal; tenho caminhado certo na vida e foi ele o meu conselheiro nas horas difíceis”.
O Pe. António Correia de Mesquita, a seu pedido, jaz no cemitério de Panoias desde o dia 04 de Maio de 1992. Descanse em paz, Pe. António!