twitter

Rever a Constituição

Um facto insólito que ocorreu após as eleições de 18 de maio, foi o apelo, quase imposição, dos partidos IL e Chega para a revisão da Constituição, assumindo uma posição forte que pretendia contribuir para se posicionarem como vencedores e condicionar o PSD, face à primeira maioria parlamentar de direita superior a 2/3, exigência da Lei Fundamental para a sua própria alteração. Não tendo sido a questão debatida nem na pré nem na campanha, pouco sentido fazia colocar como primeira medida política rever a Constituição. Montenegro não caiu no logro e apressou-se a esvaziar o tema, afirmando que, sem pôr de parte uma reanálise da CRP, não era agora o seu tempo. Na verdade, são outras as preocupações dos portugueses que importa preservar.

O Chega encolheu-se e a IL, que já se tinha precipitado na frustrada expetativa de ser o fiel da balança de uma maioria à direita, excluindo o Chega, falhou mais uma oportunidade, obrigando o líder Rui Rocha a demitir-se.

A perenidade da Constituição é uma sua marca indelével, referindo-se à sua capacidade de durar e de se manter relevante ao longo do tempo e os seus princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a vontade popular, permanecerão intemporais. Mas a garantia de continuidade não excluí a adaptação às mudanças sociais e políticas.  Numa síntese feliz, ensina Jorge Miranda que a revisão constitucional “é a preservação e revitalização da ordem constitucional”.

A interpretação do sentido da perenidade constitucional, varia evidentemente de país para país. A Constituição alemã teve 77 alterações desde a sua entrada em vigor em 1949, a francesa teve 20 alterações apenas desde 1976. A Constituição norte-americana sofreu 27 emendas desde 1787, a última das quais em 1992.

A Constituição Portuguesa, aprovada em 1976, teve sete revisões até 2005, a última que ocorreu. Não seremos dos países onde a Lei Principal é mais vezes alterada, o que até é salutar num país que recebeu em 1976 uma Constituição marcadamente socialista-marxista, que consagrava a transição para o socialismo, onde se estabelecia as bases do novo regime, incluindo a defesa dos direitos fundamentais mas também a transição para uma organização económica e social baseada em princípios socialistas (escrevendo-se… “que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”. Apesar de tal ter sido arredado da atual CRP, continua aberrante que o percurso democrático do país, não tenha ainda permitido eliminar o princípio programático constante do seu preâmbulo, onde ainda se mantém como desiderato “abrir caminho para uma sociedade socialista”.

O Chega coloca o enfoque no reforço da segurança, maior dureza nas penas e no quadro penal legal - com a (re)introdução da prisão perpétua, limitação de direitos, restrições à imigração. A IL pugna pela promoção da liberdade económica, defendendo a revisão de normas que considere restritivas para a atividade económica, promovendo um ambiente de negócios mais favorável e competitivo e a redução do tamanho do Estado, que possibilite a diminuição da intervenção do Estado na economia e na vida dos cidadãos, buscando uma abordagem mais liberal na gestão pública, o que está de acordo com os princípios programáticos dos partidos. No caso do partido mais à direita, a aplicação de algumas medidas poderia constituir um retrocesso civilizacional.

O PSD tem abordado a questão da revisão da Constituição com a intenção de promover um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos cidadãos e a eficiência do Estado. Algumas das principais propostas e áreas de foco do PSD em relação à revisão constitucional incluem o Reforço da Estabilidade Política: O PSD defende a necessidade de garantir a estabilidade política e governativa, o que pode incluir revisões que proporcionem maior clareza nas regras eleitorais e nos processos de formação de governo, incluindo a diminuição do número de deputados e a proteção dos direitos sociais, enfatizado a importância de manter e reforçar os direitos sociais, garantindo que a Constituição continue a ser um instrumento que proteja os cidadãos em áreas como saúde, educação e segurança social. E é por esta via que tem que se caminhar, em diálogo que não pode excluir o Partido Socialista, sobretudo na visão mais democrática que parece emergir da estrondosa derrota eleitoral.

Carlos Vilas Boas

Carlos Vilas Boas

19 junho 2025