twitter

A Democracia na Encruzilhada das Cidades

 

 

O título desta crónica foi inspirado no lema da reunião anual que junta em Braga autarcas de todo o Mundo do Global Parliament of Mayors. Uma oportunidade para um debate crucial, apesar de este ser um encontro elitista, onde couberam poucos representantes portugueses, quando poderia ter sido uma oportunidade para abrir os horizontes a muitos pretendentes à presidência das autarquias, a poucos meses que estamos de, em Portugal, se realizarem eleições autárquicas Digo isto, porque apesar de compreender que o Global Parliament of Mayors tenha uma composição limitada, falhou ao não abrir as portas à participação, ainda que com o estatuto de Observador, aos autarcas portugueses, permitindo-lhes um contacto com outra realidade, naquilo que sempre defendi nestas páginas: a internacionalização das cidades portuguesas. Neste capítulo, o Mayor de Braga fez o seu papel e aproveitou todas as oportunidades para se sobressair. Perdida que foi a oportunidade, importa olhar para o que disse, no primeiro dia de trabalhos, o vice-presidente do Parlamento Europeu, Younous Omarjee: «É ao nível das cidades que também se joga o futuro da democracia, do clima e da paz», um tema que seria dissecado ontem, desde logo, fazendo fé sobre o que o DM escreveu sobre o assunto: “a promoção dos valores democráticos nas cidades, o desenvolvimento social e económico sustentável, e a capacitação das cidades para uma governação mais eficaz e participativa”. Tomemos então como boas as duas premissas: Democracia e participação. Começando pela última, e pelo significado que esta tem para o que se espera seja hoje uma cidadania responsável, informada, consciente dos seus direitos e deveres em comunidade: mais de 43 por cento (43,06%) da população de Braga não participou na escolha dos órgãos locais eleitos em 2021, uma percentagem superior à de 2017 (42,37%). Apenas uma reduzida percentagem de jovens e adultos participa com propostas e vota em orçamentos participativos que são, cada ano que passa, um espelho distorcido do seu fundamento existencial, focando em obras que deveriam constar dos orçamentos municipais ou das juntas de freguesia e não por esta via, o que revela bem a fraqueza desta opção e como os próprios orçamentos tradicionais não refletem de todo as necessidades locais. Bairro a bairro, freguesia a freguesia, existem hoje múltiplos instrumentos para tentar ultrapassar este divórcio latente e, se em muitos casos, reconheça-se, tem havido sucesso, isso deve-se à pressão dos cidadãos e à abertura de alguns autarcas que fazem uma gestão de proximidade. Por outro lado, nenhuma transformação estrutural de relevo que se queira levar a cabo pode ser feita sem que seja anunciada em programa eleitoral e sem que seja utilizada a figura de referendo, caso não haja uma maioria clara a sufragá-lo. Um bom exemplo de uma ausência persistente e irrelevante são as reuniões dos executivos camarários e das assembleias municipais. São raros os casos de participação nas primeiras e o modelo de organização e participação nas Assembleias, desencoraja qualquer um. A reforma eleitoral e já agora a exigida reforma que cumpra o estipulado na Constituição quanto aos poderes das assembleias municipais, ainda por cumprir, são pregos cravados na participação política dos cidadãos que 50 anos em Democracia continuam por resolver. O que se passa em muitas das cidades que desde sexta-feira partilham em Braga as suas vivências e preocupações, deveriam ser inspiradoras para os que cá tem responsabilidades autárquicas e de governação em Lisboa. Não sei se no encerramento dos trabalhos estará algum membro do Governo, mas adivinha-se mais uma oportunidade perdida para anunciar Ação e não um caderno de princípios que tanto pode ser enunciado em Braga como em Bruxelas, Estrasburgo ou Genebra.



 

Paulo Sousa

Paulo Sousa

8 junho 2025