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O que aprendemos com quem viveu uma grande perda

Existe um silêncio que só quem perdeu conhece. Não é apenas o silêncio da ausência, mas aquele que se instala internamente – quando já não há palavras que cheguem e o mundo continua como se nada tivesse acontecido. Como terapeuta do luto, escuto histórias marcadas por despedidas, vazios e recomeços forçados – desses em que a vida empurra para a frente quando o coração ainda não saiu do lugar onde parou. E, com o tempo, percebi que o luto não é apenas dor: é também verdade, amor e uma forma íntima de resistência.


 

O luto é o outro lado do amor. Dói porque houve (e há!) vínculo, porque existiu presença, planos. Existe uma história. Já escutei filhas que se despediram dos pais, esposas que perderam os seus companheiros de vida, mães que viram o tempo parar numa ecografia sem batimento. Nestas narrativas, há sempre um fio invisível de coragem – a coragem de continuar a amar mesmo sem o corpo presente. A coragem de lembrar, mesmo quando cada memória fere. Muitas vezes escuto esta frase: “Se eu esquecer, perco-o de novo.” Esta frase ficou gravada em mim. O amor, afinal, encontra sempre forma de permanecer – nos rituais, nos objetos guardados, na forma como se fala (ou se cala) sobre quem partiu.


 

Vivemos numa cultura que tem pressa. Que evita o choro e se apressa a pedir que “seja forte” ou “siga em frente”. Mas quem passou por uma grande perda sabe que o tempo não cura tudo. O tempo apenas passa e não cura absolutamente nada! O que existe, no caminho do luto, é a possibilidade de ser visto, escutado, acolhido na sua dor. O luto não é algo que se ultrapassa. É algo que se aprende a carregar – como uma pedra no bolso, que pode pesar mais ou menos, mas que nunca se esquece. E, por vezes, é também o lugar onde nos reencontramos com o essencial.


 

Quem sofre aprende a viver com outra medida. Aprende a valorizar gestos mínimos – uma presença discreta, uma mensagem sem exigência de resposta, um abraço apertado que conforta. Não são as grandes palavras e os discursos feitos que fortalecem, mas os gestos silenciosos, quase invisíveis. Depois da dor, muitos passam a oferecer essa presença ao mundo. Com uma escuta mais aberta, uma empatia mais profunda, um olhar mais terno. Porque o luto, quando é acolhido, pode tornar-nos mais humanos. Mais atentos. Mais vivos.


 

Nestes anos de escuta, aprendi com quem sofre que a vida é frágil, sim – mas é também preciosa e digna de ser vivida com verdade. As pessoas que encontrei ao longo da minha jornada no luto ensinaram-me sobre o amor que não termina com a morte. Sobre a resiliência que brota do chão destruído pela dor. Sobre a luz que, por vezes, entra justamente pelas fendas.


 

Escutar quem viveu uma grande perda é escutar o pulsar mais honesto da vida. Por trás da dor, há uma sabedoria que não grita, mas que transforma. São estas pessoas – que continuam a amar apesar da ausência – que me mostram, todos os dias, que viver é, acima de tudo, um exercício de presença, mesmo quando tudo falta – e que, no meio do luto, a vida ainda sussurra possibilidades.

Clarisse Queirós

Clarisse Queirós

4 junho 2025