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Uma certa desilusão

Pode não parecer, os responsáveis podem procurar disfarçar com sorrisos e boa disposição, mas os próximos meses não vão ser tranquilos para o maior partido do espectro político português, o que ganhou as eleições, o que teve maior número de votos expressos e maior número de mandatos no Parlamento. Ao contrário, há outros que estão mais confortáveis, ainda que tenham ficado longe ou a léguas do vencedor. Há no ar uma certa desilusão daquele e, se calhar, também alguma dose de apreensão.

Há várias as razões para a desilusão. Em primeiro lugar, as legislativas não trouxeram uma maioria absoluta. Ficou longe, ainda que a Aliança Democrática (AD) pudesse conjugar entendimentos com o Iniciativa Liberal (IL), o que não será o caso. Estou convencido de que na cabeça de Montenegro havia a expectativa de conseguir o mesmo que António Costa quando, para fugir ao que ficou conhecido por geringonça e aproveitar-se de uma parte dos votos dos parceiros, conseguiu uma maioria absoluta. Montenegro falhou o objectivo, ainda que não o tenha admitido. Conseguiu aumentar o grupo parlamentar, sem que isso tenha alterado significativamente a situação que existia antes de 18 de Maio. E vai ter que negociar mais, pelo menos com a segunda e a terceira força política, sob pena de denunciar autoritarismo.

Significativo, apesar de não estarem em causa muitos mandatos, foi a AD ter perdido para o Chega em número de votos tanto na Europa como no círculo de fora da Europa. Ainda que tivessem dividido equitativamente o número de mandatos, a preferência dos eleitores tendeu, desta vez, para o actual segundo maior partido em termos de representação parlamentar.

Há uma terceira desilusão. Já se previa, mas só no final da semana passada Montenegro anunciou o apoio do seu partido ao candidato à Presidência da República, Luís Marques Mendes. Quase em simultâneo, o Almirante Henrique Gouveia e Melo anunciou o mandatário nacional da sua candidatura: Rui Rio, militante e ex-presidente do Partido Social Democrata (PSD). No evento foram visíveis ainda outras figuras sociais democratas. É bem provável que muitos outros militantes e simpatizantes sociais democratas venham a preferir apoiar o candidato independente em vez do candidato que o seu partido escolheu. Depois de Outubro, isto é, depois das Autárquicas, a demanda para o lado do Almirante pode ser ainda mais significativa. Tal não é, nem será, indiferente para Montenegro nem para a força partidária de que é responsável. É quase certo que a candidatura apoiada pelo PSD vá ressentir-se. Aliás, o mandatário desta candidatura já veio a público queixar-se, sinónimo de que as coisas podem não correr como se previa. Estou convencido de que se a candidatura de António José Seguro não sair das intenções, Gouveia e Melo poderá ganhar logo à primeira volta, ainda mais quando é previsível que o Chega possa vir a apoiar a candidatura deste último. Até lá, veremos se as Autárquicas não aumentarão a desilusão dos sociais democratas.

Não está fácil a vida de um partido que tinha altas expectativas desde que provocou, sem o admitir, eleições antecipadas. E que agora arrisca vir a ficar desassossegado nos próximos desafios que se aproximam, e em política o tempo é crítico. Se Montenegro tem necessidade de repetir que tem jeito para o ciclismo, mesmo que diga que está preparado tanto para ganhar a montanha como ultrapassar todos na descida, para já não falar que se diz também o melhor sprinter, ainda mais com um ritmo cardíaco que não ultrapassa as 50 pulsações por minuto, o mais provável é que as coisas não estão tão fáceis como tem tentado transparecer. Pelo menos, para já, não deu prova de tanta qualidade e competência, sendo que o auto-elogio não é bom sinal, para além de parecer falta de humildade por parte de quem se apresenta para servir a equipa.

Luís Martins

Luís Martins

3 junho 2025