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“O apóstolo da Germânia”

 


 

Celebra-se, na próxima quinta-feira, dia 5 de junho, a Memória Litúrgica do bispo e mártir S. Bonifácio. O seu papel na cristianização da atual Alemanha valeu-lhe o epíteto de “apóstolo da Germânia” e, por isso, seu padroeiro. Além disso, teve particular importância na consolidação da Igreja Católica, na Europa Central, e na formação da identidade cristã da Europa medieval. 

Nascido por volta do ano 673 (ou 675?), de família abastada, no condado de Devonshire, no sul do Reino de Wessex (atual Inglaterra), com o nome de Wynfrith (ou Winfrid), começou por viver nos mosteiros beneditinos de Exeter e de Nurslig, onde lecionou. Foi por esta altura que escreveu a primeira gramática de latim produzida na Inglaterra. 

Com a idade de 30 anos, foi ordenado sacerdote e, quando quiseram fazer dele superior do convento, declinou, pois o seu sonho era evangelizar as terras de além Reno. 

A sua atividade missionária no continente europeu pode dividir-se em três momentos:

- No primeiro (716-722), chegou à Frísia (atualmente, a norte dos Países Baixos), mas os seus trabalhos não produziram frutos, em virtude da guerra entre Ratbodo e Carlos Martel. Em 718, viajou para Roma, onde o Papa Gregório II o confirmou como missionário dos povos germânicos e lhe chamou Bonifácio, nome latino que significa “aquele que faz o bem”. Foi, então, à Turíngia e à província do Reno, mas convenceu-se de que, para o sucesso dos seus trabalhos, necessitava da dignidade episcopal e da ajuda dos reis francos.

- No segundo (722-738), tudo correu melhor. Depois de, em 723, ter sido sagrado bispo pelo Papa Gregório II e dele ter recebido cartas de recomendação e uma coleção de cânones, voltou a pregar em Hesse, desta vez com melhores resultados. Estendeu depois a sua ação missionária à Turíngia, contando com a ajuda de monges anglo-saxões. Foi por esta altura que fundou diversos mosteiros, igrejas e bispados.

Um dos acontecimentos mais significativos deste período e de toda a sua vida, deu-se em 723, quando derrubou o carvalho sagrado dedicado ao deus Thor1, perto da moderna cidade de Fritzlar, no norte do Hesse. Com a sua madeira, construiu uma pequena capela, no lugar onde hoje está edificada a catedral dessa cidade. Esta atitude tornou-se um símbolo da vitória do cristianismo sobre o paganismo e assinalou o início formal da cristianização da Germânia.

- No terceiro (738-754), procede a uma melhor organização de tudo quanto anteriormente havia feito. Tendo estado de novo em Roma, foi nomeado Vigário Apostólico da Alemanha e procurou estabelecer laços estreitos entre as igrejas alemãs e Roma, dividiu as dioceses, formou as províncias eclesiásticas, celebrou sínodos, deu leis e ditou ordens.

Em 748, fixou-se em Mogúncia2, mas resolveu voltar ao sítio por onde tinha começado, a Frísia. Em 755, já bastante doente, embarcou para Utrecht3, onde converteu muitos milhares de pessoas que se submeteram ao batismo. Antes, porém, já tinha dito aos seus discípulos: “o dia do meu trânsito está próximo. Desejo ansiosamente esta partida e nada me pode apartar dela. Preparai, pois, todas as coisas e no cofre dos livros metei o lençol em que haveis de envolver o meu corpo”. 

Quando, a 5 de junho desse ano, em Dokkum (Frísia), tinha tudo preparado para uma Missa Pontifical, em vez de chegarem os neófitos, chegaram guerreiros que o mataram. O seu corpo foi recolhido pelos cristãos e, segundo a sua vontade, foi sepultado no mosteiro de Fulda (Hesse), que um discípulo seu havia fundado.

S. Bonifácio foi um apóstolo completo: “não lhe faltou nem o heroísmo do mártir, nem a intrepidez do missionário, nem a grandeza do bispo, nem a força dos milagres e da palavra, nem a bela auréola da graça e da bondade, que soube adaptar-se à sua época para dominá-la e torna-la cristã”4.

O Papa Pio XII comemorou o XII centenário da sua morte com a Encíclica Ecclesiae fastos, publicada a 5 de junho de 1954 e dirigida às Igrejas da Inglaterra, Alemanha, Áustria, França, Bélgica e Holanda. Nela, depois de recordar os momentos mais importantes da sua vida, o Papa sublinha as três mais importantes lições da vida de S. Bonifácio: a sua confiança na graça divina, a sua estreita união com a Igreja romana e a sua profunda convicção de que “a Palavra de Deus permanece para sempre” (1 Pd 1, 25), como reza a inscrição que, no mosteiro de Fulda, consta no sopé da estátua do “apóstolo da Germânia”.


 


 

1 Thor é um deus importante do paganismo germânico e da mitologia nórdica. Aparece representado a empunhar um martelo associado a relâmpago, trovão, tempestades, bosques e árvores sagradas. Para além disso, está associado à força, à proteção da humanidade e à fertilidade.

2 Por esse motivo, é muitas vezes chamado Bonifácio de Mogúncia. Trata-se da cidade de Mainz, a capital da Renânia Palatinado, situada na margem esquerda do rio Reno, frente à confluência com o Meno. Era daí Johannes Gutenberg (1400?-1468), o inventor da imprensa.

3 Utrecht é atualmente a quarta cidade mais importante dos Países Baixos.

4 José Leite (org.), Santos de cada dia, vol. II, 2ª edição (Braga: Editorial Apostolado da Oração, sem data), 154.

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

2 junho 2025