É muito difícil definir o que é a justiça, mas temos a experiência do que são as injustiças e a necessidade de as combater. Assim, na vida em sociedade, nós precisamos que haja quem faça justiça, não deixando esta nas mãos de quem é vítima, pois sabemos bem o que acontece em tais casos.
Cabe aos tribunais a administração da justiça. Trata-se de um enorme poder que lhes é atribuído, pois as nossas vidas (desde logo, a liberdade) e os nossos bens ficam nas mãos dos juízes.
A este enorme poder corresponde uma enorme responsabilidade e por isso se dotou a administração da justiça de um conjunto amplo de regras que estão consagradas na Constituição nos termos das quais – e desde logo – os juízes têm a obrigação de ser independentes e imparciais.
Mas também têm outro importante dever que é o de ditar sentenças em prazo razoável e fazê-las executar, pois de outro modo a sentença, mesmo sendo justa, de pouco ou nada serve. Todos sabemos disso e um grande jurista brasileiro, Ruy Barbosa, afirmava que “a justiça tardia é a injustiça institucionalizada”.
Assim se explica o cuidado de consagrar constitucionalmente como um direito fundamental dos cidadãos o direito a que “uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (artigo 20.º n.º 4). Esse mesmo direito consta em formulação semelhante da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6.º, n.º 1).
Em Portugal, podemos dizer que este direito é, em boa parte, cumprido. Mas há sectores onde tal não sucede, prejudicando muito a imagem geral da nossa justiça e os direitos dos cidadãos.
É o que se passa, desde logo, na justiça administrativa e fiscal. Nesta, os atrasos nas sentenças são objecto de crítica generalizada. Há também um domínio onde existem graves problemas que é o penal, importando, neste sector, ter em conta dois momentos: um primeiro momento de necessidade de justiça surge quando se levanta sobre um cidadão ou cidadã a suspeita – ou mesmo a afirmação – de ter cometido um crime. Quando tal sucede e a suspeita ou “incriminação” é pública e amplamente noticiada, ocupando as primeiras páginas dos jornais e a abertura dos noticiários, importa que se esclareça em prazo razoável se essa suspeita tem fundamento e então se avance para uma acusação, dando início a um processo judicial ou se se arquive o processo por falta de fundamento.
Note-se que neste momento o juiz não tem ainda intervenção, cabendo ao Ministério Público o importante poder de acusar ou arquivar. Cabe-lhe utilizar esse poder num sentido ou noutro também em tempo razoável, sob pena de se estar a cometer uma forte injustiça. A injustiça de ver pessoas submetidas a vexame público, sendo a sua reputação de pessoas dignas posta em causa, prejudicando a sua vida, seja esta no exercício de cargos públicos, no exercício da sua profissão ou noutras situações. Injustiça que permanece, mesmo quando os suspeitos são culpados e merecem ser condenados, pois estes têm o direito de serem julgados em tempo razoável para terem a possibilidade de, em caso de condenação, refazer a sua vida, após o cumprimento da pena.
O segundo momento existe quando o Ministério Público avança para a acusação e o processo chega às mãos dos juízes, devendo estes, também em tempo razoável, decidir, fazendo justiça, a justiça possível, pois os tribunais podem errar. Os tribunais neste domínio não costumam demorar muito, mas nem sempre assim sucede, como é o caso, a título de exemplo, dos megaprocessos. Nestes, importa encontrar uma solução adequada, sempre possível, gerindo devidamente tais processos. O que não é de admitir é a resignação e, muito menos, a indiferença.
Em Portugal, fala-se há muito da crise da justiça e por alguma razão é. Atente-se nas numerosas condenações de Portugal no TEDH, por morosidade da justiça. Não por acaso, surgiu recentemente um Manifesto abordando este problema. O Manifesto para a Reforma da Justiça tem sido objecto de crítica, o que é natural numa sociedade livre. No entanto, dificilmente se encontra um documento que reúna pela sua subscrição pessoas de tão diversas correntes de opinião. Quem duvide deve ler o nome dos 150 subscritores do documento e verá que em vão poderá ligá-los a uma só corrente política, religiosa, profissional ou qualquer outra. O que une estas pessoas ( e muitas outras, que apenas por razões circunstanciais, não tiveram a oportunidade de o subscrever) é o desejo de que a nossa justiça funcione bem e assim tem actuado.
Percebeu bem isso o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, Juiz-Desembargador António Sobrinho, que, no passado sábado, dia 24 de Maio de 2025, a pedido de alguns subscritores do Manifesto, abriu as portas do Tribunal a que preside, para a apresentação do livro “Pela Reforma da Justiça: o Manifesto dos 50 e o debate público sobre a agenda da reforma” e se debaterem problemas da justiça, com intervenções do Professor Vital Moreira e do Advogado Dr. André Coelho Lima, ambos subscritores do Manifesto. O Presidente do Tribunal não deixou de fazer também considerações que entendeu pertinentes.
Foi uma sessão não muito participada, em termos de presenças, mas em contrapartida muito rica pelo conteúdo das intervenções e muito participada em sede de intervenções dos presentes, na fase do debate que ocorreu.
Lutar por uma melhor justiça é um dever constante de todos nós.