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Estado de choque

1 - Perante a profusão de imagens e relatos nos media, ninguém pode ignorar. De Gaza, no Médio Oriente, semanas após semanas, a retaliação israelita aplicada ao massacre terrorista do Hamas, seguido da tomada de reféns (ocorrido há pouco mais de ano e meio), mostra-se implacável, destemperada. O número de mortos israelitas resultante do massacre do Hamas e o dos reféns entretanto falecidos está multiplicado por muitas vezes na revindita que o governo de Israel atribuiu ao seu exército. E as muitas mortes palestinianas resultam da ação direta das armas das IDF (Forças de Defesa de Israel), como também do violento cerco humanitário imposto. Homens, mulheres e crianças palestinianas – muitas crianças, constata-se – perecem como resultado do frio, da fome, da sede ou da falta da requerida assistência médica. 

Esta severa “punição” israelita sobre os palestinianos desafia a catalogação de genocídio – um conceito de tão dramática memória para os judeus, desde a Segunda Guerra Mundial. E, para desespero das respetivas famílias, Israel ainda não logrou conseguir a devolução de todos os reféns (vivos ou mortos) detidos pelo Hamas. 

O Estado de Israel tem vivenciado uma sensação de cerco, de ameaça existencial, desde a sua criação, patrocinada pela ONU em 1948. Contrariando algumas vozes mais radicais ainda patentes no mundo árabe ou muçulmano, Israel tem obviamente direito à existência, consagrada no plano do direito internacional, como acabo de referir. 

Nos cerca de oitenta anos transcorridos desde a sua fundação, Israel enfrentou com sucesso várias guerras contra países árabes vizinhos. Demograficamente, Israel é um anão face ao mundo árabe ou muçulmano que o envolve, mas militarmente tem-se mostrado superior. Mais, Israel afirma-se, desde a sua fundação, como a única democracia numa região onde as autocracias e o conservadorismo avesso à Declaração dos Direitos do Humanos (ONU, 1948) proliferam. Mas toda a aura democrática israelita se dilui, e descredibiliza, perante as atrocidades cometidas na guerra contra o Hamas. Mais, Israel garantirá seguramente, de forma duradoura, perene mesmo, o ódio contra israelitas ou judeus na generalidade dos corações das crianças ou jovens palestinianos de hoje. 

A despeito de muitos países já terem reconhecido a Palestina como um Estado, a consagração efetiva da solução de dois estados – Israel e Palestina –, de há muito defendida pelas vozes moderadas, tarda e parece agora deveras ameaçada. Não obstante o poder arbitral dos EUA nesta região, também às principais potências europeias, muito focadas na guerra na Ucrânia, cumpre pressionar – o que parece, entretanto, estar a suceder – para uma solução equilibrada neste conflito. Esperemos que o conceito de Médio Oriente passe, progressivamente, a evocar menos a guerra no imaginário comum e se redirecione para o de território fermentador de grandes avanços civilizacionais, que também foi (surgimento da agricultura, da escrita, do trabalho dos metais). 

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

23 maio 2025