Nas artérias das cidades portuguesas corre hoje um sangue apressado, saturado de ruído, poluição e sedentarismo.
As urbes, que noutros tempos simbolizavam progresso e qualidade de vida, tornaram-se, em muitos casos, espaços onde a saúde adoece em silêncio.
A obesidade, a diabetes tipo 2, as doenças respiratórias e o mal-estar psicológico são apenas alguns dos sintomas de uma cidade que perdeu o equilíbrio entre o betão e a biologia.
Se olharmos para uma cidade como Braga, vibrante, histórica e em crescimento acelerado, percebemos bem este paradoxo. Enquanto cidade premiada como uma das cidades europeias com melhor qualidade de vida, não deixa de enfrentar desafios urbanos cada vez mais complexos: tráfego mais intenso, zonas com necessidade de maior arborização ou o aumento do sedentarismo entre os seus habitantes.
Nos últimos cinquenta anos, as cidades transformaram-se profundamente. Onde antes existiam mercados locais e deslocações a pé, agora há centros comerciais e filas de carros. A comida deixou de vir da horta e passou a vir de embalagens ultraprocessadas. As crianças, antes donas da rua e do campo, tornaram-se prisioneiras de ecrãs e recreios de cimento. Esta nova paisagem urbana condiciona a saúde de forma estrutural.
A obesidade é um exemplo gritante. Em Portugal, estima-se que cerca de 30% das crianças tenham excesso de peso, um número alarmante que cresce nas áreas urbanas. A diabetes tipo 2, intimamente ligada a este fenómeno, já não escolhe idade. A cidade, com o seu ritmo acelerado e as suas armadilhas alimentares, tornou-se um ambiente obesogénico, ou seja, propício ao aumento de peso e ao desenvolvimento de doenças metabólicas.
Por outro lado, o ar que respiramos tornou-se um agressor invisível. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem vindo a alertar para os níveis de poluição em cidades médias onde o tráfego automóvel, outrora residual, é agora o principal responsável por concentrações elevadas de dióxido de azoto. Esta exposição crónica está associada ao agravamento de doenças respiratórias e cardiovasculares, sobretudo em idosos e crianças.
Ainda assim, é no presente que se plantam as sementes do futuro. Braga tem dado sinais muito positivos: aposta na mobilidade suave, na expansão de ciclovias, na criação de espaços verdes e em projetos de educação ambiental. Iniciativas como as hortas urbanas ou os circuitos pedonais promovem uma nova forma de viver a cidade, mais ativa, mais consciente e mais saudável.
Na essência, políticas públicas importantes que carecem de continuidade e reforço com a integração sistémica do planeamento urbano. Continuar a criar cidades caminháveis, com transportes públicos acessíveis, zonas de ar limpo, escolas que ensinem não só a ler, mas também a plantar e a cozinhar. Políticas fiscais que penalizem alimentos ultraprocessados e incentivem a produção local são igualmente essenciais são alguns dos exemplos que contribuem para esse desiderato.
A cidade é como um organismo vivo. Se os seus pulmões (os parques) forem pequenos, se as suas veias (as ruas) estiverem entupidas, e se o seu cérebro (as políticas) for lento, todo o corpo adoece. Para curar a cidade, é preciso tratá-la como se trata alguém que amamos: com atenção, com cuidado, com prevenção.
O futuro das cidades depende da coragem com que enfrentamos estas doenças silenciosas. Precisamos de cidades que inspirem saúde, não que a silenciem. Porque uma cidade saudável não é apenas aquela com hospitais eficientes, mas aquela onde se vive de forma a quase nunca precisar deles.