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As greves na CP e a República dos bananas

Como é por todos sabido, em particular pelos passageiros que têm sido fustigados pelas numerosas greves convocadas pelos também numerosos (14) sindicatos da CP (Comboios de Portugal) neste mês de maio, estas greves levaram à supressão de numerosos comboios, afetando diariamente centenas de milhar de trabalhadores que, para que uns possam exercer os seus direitos, impedem outros de também exercer um direito legítimo: o de trabalhar por falta de transporte.

Não, não está em causa o direito à greve, um dos mais legítimos direitos dos trabalhadores, em bom rigor um direito que constitui uma espécie de “bomba atómica” nos direitos laborais. A revolução de abril, recentemente comemorada no seu 51.º aniversário, que consagrou a liberdade e um sem número de direitos, liberdades e garantias, foi uma extraordinária revolução que nos restituiu a democracia e instituiu o nosso sistema político, extremamente generoso a todos os níveis, designadamente ao nível laboral, onde me incluo como trabalhador, beneficiando de numerosas normas que consagram salários mínimos, horários de trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho, direitos parentais, um generoso estatuto do trabalhador-estudante, um fantástico regime de férias, feriados e faltas, participação sindical e um amplo sistema de contratação coletiva, entre outros.

O recurso à greve, consta de uma lei que remonta a 1975, nunca foi alterada (essencialmente por falta de coragem política dos Governos para o fazer), mas que carece urgentemente de o ser, até porque, os setores onde decorrem a maior parte das greves (serviços públicos), são aqueles que mais impactam a vida de todos e onde é mais necessária a sua regulamentação, sob pena do exagero no recurso à greve, que é o que acontece. A educação, a saúde, a justiça, os transportes, onde decorrem normalmente a maior parte das greves, são setores sob a tutela do Estado, onde não há um patrão, ou melhor o patrão somos nós, que sustentamos todos esses serviços públicos e somos prejudicados pelas greves, quando ocorrem, o que também acontece frequentemente. Embora a Lei da Greve preconizasse já nos idos de 1975, que o exercício desse direito nos serviços públicos seria objeto de regulamentação posterior, tal nunca aconteceu.

Parece evidente que a necessidade de regulamentar o direito à greve nos serviços públicos é mais urgente que nunca (e disso pouco ou nada se falou nesta campanha eleitoral que agora terminou). De facto, é muito estranho que estas greves na CP tenham sido convocadas para decorrer em plena campanha eleitoral, no que me parece ser uma forma de condicionar as eleições, ou não soubéssemos todos que os inúmeros sindicatos que se movimentam no setor público se movem muitas vezes impulsionados por interesses essencialmente ideológicos e partidários, o que, em última análise, redunda sempre contra os interesses dos trabalhadores que dizem defender.

De facto, por exemplo, a greve da CP convocada pelo Sindicato dos Maquinistas, deixa-me particularmente boquiaberto, na medida em que é uma profissão particularmente bem remunerada (em comparação com a generalidade dos nossos concidadãos) e que, ainda beneficia, nos termos do último Acordo de Empresa de subsídio por trabalho de emergência (podendo duplicar ou até triplicar a remuneração diária normal); abono e ajuda de custo por itinerância; abono por deslocação; ajuda de custo por repouso fora da sede, a que acresce reforço do subsídio de refeição; abono de transporte ou disponibilidade; diuturnidades por períodos de 5 anos de serviço; subsídio de escala; prémios de “condução”, ou seja, um prémio por cada período completo de trabalho diário e outro prémio equivalente por condução anual, contando a atividade sindical com trabalho efetivo; 25 dias úteis de férias; subsídio de férias suplementar; complemento ao subsídio de doença concedido pela Segurança Social; seguro de saúde privado; subsídio de pré-escolar; descontos vários nas viagens de comboio para cônjuges, filhos e netos.

Por isso ficam aqui da minha parte novamente um conjunto de questões: A Lei da Greve não carece de ser urgentemente alterada por forma a impedir a sua realização por “dá cá aquela palha”? A convocação de greves nos setores públicos não carece de um processo mais rigoroso, designadamente ser precedida por algum controlo jurisdicional? Não deve ser proibida a sua marcação em determinados períodos, como seja em período pré-eleitoral e eleitoral, ou mesmo em determinados dias da semana (as greves são quase sempre realizadas nas vésperas ou dias imediatos a fins de semana ou feriados)?

No fundo algo que me impeça de pensar que, em termos de greves nos serviços públicos, parece que vivemos numa República não das bananas, mas dos bananas.

Fernando Viana

Fernando Viana

17 maio 2025