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Projeto Europa, dia um

Há precisamente 75 anos, Robert Schuman, então ministro dos Negócios Estrangeiros de França, publicava uma declaração (a célebre “Declaração Schuman”) na qual propunha que a França e a Alemanha subordinassem as respetivas produções de aço e carvão ao controlo de uma Alta Autoridade comum. A produção de aço e carvão, materiais que vinham a sustentar sucessivas guerras entre a França e a Alemanha contemporâneas (1870-71, guerra franco-prussiana; confrontos nas 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais), sob o controlo de uma autoridade comum, seria doravante mais transparente, alimentaria a competição civil, mas não mais o agigantar de arsenais para a próxima guerra, perspetivava Schuman. 

Os demais países europeus interessados poderiam também aderir a este desafio, referia Schuman nesta declaração, que enfatizava ainda, entre outros critérios, que as transações destas matérias se materializariam num quadro de ausência de tarifas alfandegárias. A proposta gerou eco político-diplomático na Europa. Um ano depois, surgiria a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), constituída por seis países, os mesmos que iniciariam a aventura da CEE em 1957 (Tratado de Roma, 25 de março), que já na última década do século XX transitaria para a atual União Europeia. Por isso, hoje celebramos o dia da Europa ou da União Europeia.

Todas as caminhadas deixam rasto. Olhando para trás, poderemos assentir que, numa perspetiva global, a CEE/UE se assume como um caso de sucesso. A original CEE alargou-se a muitos outros países europeus ao longo das últimas décadas, consumou novos desígnios integradores já perspetivados por Schuman na sua declaração (A Europa não se construirá de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Construir-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto, escreveu Schuman), converteu-se na UE, uma realidade singular à escala mundial, com um perfil económico e social ainda invejável e atrativo, como o demonstra a considerável demanda do território europeu por muitos migrantes.

Mas hoje a UE enfrenta desafios de monta nos planos externo e interno. No plano internacional, a União vive acossada no que se refere à defesa e segurança (guerra na Ucrânia e assomo de deslaçamento da NATO) e ameaçada pela competição económica, científica e tecnológica, decorrente dos desafios colocados pela China (que produz bens industriais de qualidade crescente a preços muito competitivos) e pelos EUA, que com a inovação das tarifas tempestuosas, levantadas por Trump, desequilibram os tradicionais fluxos de comércio. No plano interno, o sentimento europeísta em vários dos países membros da atual União Europeia mostra-se mais frágil, observa-se descrença em parte significativa do respetivo eleitorado. 

Os sempre inconformados ingleses, porventura saudosos do grande Império Britânico, deixaram formalmente a UE em 2020, ainda que hoje estejam algo arrependidos, segundo recentes estudos de opinião. Todavia, a UE continua atrativa para os diversos países hoje candidatos à adesão (dos Balcãs até à Ucrânia, Geórgia ou Moldova). Ainda assim, se algum dos grandes países fundadores (Alemanha e França, particularmente) vier no futuro a abandonar a União, tal tenderá a revelar-se fatal, porque incontornavelmente desagregador. 

Há mais Europa, sabemos. Não podemos esquecer que, tal como na Jugoslávia, na década de 90 do século passado, na Ucrânia o carvão e o aço estão agora a alimentar os horrores da guerra. 

Mas, fosse hoje vivo, Schuman bem que poderia orgulhar-se de todo o processo desencadeado pela sua Declaração. A Europa que abraçou o seu projeto político, até então marcada por repetidas e destrutivas guerras, tem vindo a redefinir a sua história, transmutou-se, por muitas décadas, num território abraçado pela paz. Antes de Schuman outras figuras haviam defendido uma Europa Unida, ainda que sob forma diversa. Mas a proposta de Schuman vingou no fundamental, mostrou-se uma bem-sucedida semente de paz.

Amadeu J. C. Sousa

Amadeu J. C. Sousa

9 maio 2025