A final da Taça do Rei disputada entre o Real Madrid e o Barcelona no sábado 26 de Abril foi qualificada por grande parte da imprensa desportiva como inesquecível. Referindo-se a esse jogo que o Barcelona venceu, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, disse ter-se tratado de uma “final eléctrica”. Esta apreciação ofereceu a mais inesperada das diversas teorias da conspiração postas a circular sobre o apagão que afectou Espanha e Portugal na segunda-feira passada. A expressão “final eléctrica” indicava claramente quem ditara que a Península Ibérica ficasse às escuras.
As razões apontadas para justificar a ocorrência foram várias. Na RTP1, nos rodapés do Telejornal de terça-feira, surgiam consecutivamente hipóteses diversas. Eis algumas: “Apagão geral – Sobretensões em Espanha podem estar na origem”; “Apagão geral – Perda da geração solar pode estar na origem”.
Em Portugal, o apagão podia ter sido aproveitado para lembrar que uma das conquistas do 25 de Abril de 1974, que tem estado a ser justamente celebrado, foi ter feito chegar água canalizada e electricidade a casa da generalidade dos portugueses. Nem uma, nem outra existiam, por exemplo, em múltiplas aldeias dos arredores de Braga, como hoje muitos ignoram. A evocação desse benefício faltou, mas não o conspiracionismo. Todavia, como assinalava Delia Rodríguez no diário espanhol El País, numa observação que se pode estender a Portugal, “sem redes sociais, WhatsApp ou Telegram a espalhar falsidades estivemos muito mais tranquilos” [1].
Se a expressão “final eléctrica” era, para alguns, no país vizinho, a prova de que tinha sido o presidente do governo a provocar o apagão, outros culpavam os inimigos do governo espanhol. A RTVE referiu que, na rede social X, também se dizia que Israel e os Estados Unidos da América estariam por trás do apagão de 28 de Abril. No dia seguinte, uma publicação garantia: “A sabotagem realizada pelos EUA e Israel que causou o grande apagão de eletricidade na Espanha é um ataque, porque a Espanha é crítica de Israel e porque a Espanha se aproximou da China” [2].
As teorias da conspiração surgidas em Portugal foram menos engenhosas e também mais benignas para o governo, não havendo notícia de alguém ter considerado que tinha sido o nosso primeiro-ministro a deixar o país sem luz. Entre nós, o governo apenas foi censurado por uma gestão de comunicação de crise muito deficiente ou até inexistente.
As teorias da conspiração e a desinformação são comuns em momentos de crise. Nestas ocasiões, a informação credível escasseia e é difícil saber onde encontrá-la. Nos momentos de rescaldo, pode suceder o mesmo. Em relação ao apagão, os interesses que se movimentam no sector da energia são muito poderosos e os gabinetes de comunicação de que dispõem tratam rapidamente de persuadir a opinião pública dos benefícios de tudo o que lhes permita multiplicar os lucros.
Como destacou o jornalista Pedro Tadeu no Diário de Notícias de ontem, impressiona “o desfile de técnicos especialistas em gestão de redes elétricas (não estou agora a falar de políticos ou comentadores) que se contradisseram na TV e na rádio em resposta a perguntas simples”. O colunista dava vários exemplos eloquentes que todos pudemos testemunhar: “As energias alternativas estão por detrás do problema que ocorreu? Para uns ‘claro que sim’, para outros ‘obviamente que não’”. “Portugal pode ser, se necessitar, energeticamente, autónomo? Para uns ‘pode, sem dúvida’, para outros a simples elaboração da questão ‘é um disparate’”. “A reativação de centrais térmicas ou de gás aumentaria a segurança do sistema? Para uns ‘nem por isso’ para outros ‘é decisiva’”. “Este tipo de incidentes pode ser prevenido? Para uns ‘sim, é preciso investir’, para outros ‘não, temos de nos habituar a viver com eles’” [3].
Como o colunista avisadamente conclui, “o apagão de eletricidade de segunda-feira durou 10 horas, o que foi muito, mas exemplificou como dura há muito mais tempo um outro apagão: o do debate público minimamente lúcido e potencialmente esclarecedor”.
A desinformação e as teorias da conspiração não contribuem, evidentemente, para que tal ocorra. Resta saber se os meios de comunicação social estão a fazer, como lhes compete, um trabalho de esclarecimento desejável, imune aos interesses que agora se movimentam.
Fica aqui, já agora, um elogio ao serviço público de rádio: a Antena 1 fez um excelente trabalho durante as horas do apagão de segunda-feira.
[1] Delia Rodríguez – “Apagón desinformativo: ni luz ni bulos”. El País, 1 de Maio de 2025
[2] “Desinformación apagón masivo: de teorías de la conspiración a contenidos descontextualizados”. VerificaRTVE, 29 de Abril de 2025
[3] Pedro Tadeu – “Temos um apagão geral da lucidez?” Diário de Notícias, 3 de Maio de 2025