1. Era e sou um adepto fervoroso do Papa Francisco.
Digo sou porque o testemunho que me deu não fica encerrado no túmulo existente na Basílica de Santa Maria Maior. Está na riqueza do seu magistério expresso em muitos e ricos textos que é bom reler.
Destaco a exortação Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), em que apresentou o seu programa apostólico. As Encíclicas Lumen fidei (29 de junho de 2013), sobre a fé em Deus; Laudato si (24 de maio de 2015), que trata da ecologia e da responsabilidade humana na crise climática; Fratelli tutti (03 de outubro de 2020), sobre a fraternidade humana e a amizade social; Dilexit nos (24 de outubro de 2024), sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Promulgou sete Exortações Apostólicas, 39 Constituições Apostólicas, inúmeras Cartas Apostólicas (a maioria na forma de Motu Proprio), duas Bulas de convocação de Anos Santos, além das mensagens a propósito dos diversos dias mundiais, catequeses nas Audiências Gerais e discursos em diversas partes do mundo.
2. A herança de Francisco reside também no amor desinteressado que praticou, fazendo da vida um serviço aos outros, particularmente aos mais desprotegidos. Aos sem-abrigo, cuja vida procurou suavizar e para quem criou uma lavandaria. Aos pobres, a favor de quem instituiu um dia mundial e a quem ajudou através do seu esmoler. Aos prisioneiros, a quem visitou e encorajou.
Francisco evangelizou com a vida. Soube chamar a atenção para tantos que a sociedade marginaliza e denunciar graves atentados à dignidade humana.
Significativo que a primeira viagem do seu pontificado tenha sido a Lampedusa onde alertou para o drama dos migrantes e para o escândalo que é converter-se o Mediterrâneo em vasto cemitério. A luta por justiça para com os migrantes foi tema de discursos e exortações desmascarando as raízes do problema, denunciando as desigualdades e oferecendo soluções.
A primeira saída do Vaticano desde a hospitalização de 38 dias no Hospital Gemelli, em Roma, levou-o em 17 de abril à prisão Regina Coeli, onde viveu parte da Quinta-feira Santa. Já aí se tinha deslocado a 29 de março de 2018 para celebrar a Missa da Ceia do Senhor.
A 28 de março de 2024 tinha escolhido, para celebrar o rito do lava-pés, a prisão de Rebibbia, onde se encontrou com duas centenas de mulheres reclusas da secção feminina.
Nesta mesma prisão abriu, no passado dia 26 de dezembro, uma Porta Santa, para o Jubileu 2025.
Pouco antes da morte doou todos os seus bens, avaliados em 200 mil euros, aos presos. Destinou o dinheiro para projetos na prisão de Rebibbia e no centro de detenção juvenil de Casal del Marmo, ambos em Roma.
3. A sinodalidade foi pedra de toque do seu pontificado e espero tenha continuidade O todos, todos, todos, que nem sempre tem sido bem interpretado, apresenta a Igreja como mãe que todos acolhe e onde todos têm vez e voz. Onde é salientada a dignidade da mulher e reconhecida a importância do seu contributo na vida eclesial.
É, penso, o caminho a seguir mas reconheço não ser fácil. Custa substituir a pirâmide pelas mesas redondas, trocando o eu pelo nós, embora se fale em Povo de Deus e se apregoe fraternidade.
Há hábitos instalados que é necessário erradicar. Custa muito abdicar do eu quero, eu posso, eu mando. Saber ouvir antes de decidir. Comprometer todos nas decisões que um só idealiza e impõe como se resultassem do grupo. Prestar contas e gerir com transparência.
4. Impressionou-me ver, no dia do funeral, na Basílica de S. Pedro, Trump e Zelensky sentados a conversarem.
Francisco não deixou de exercer o seu magistério de influência a favor da paz. Escreveu no testamento "O sofrimento que esteve presente na última parte de minha vida eu o ofereço ao Senhor pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos". Será que agora, junto de Deus, a sua intercessão vai mover os corações dos homens e construir a paz?