É notório que o principal critério para analisar a vida e a missão do Papa Francisco tem sido a mundividência dominante.
Para a maioria dos «tudólogos» – subitamente convertidos em «teólogos» – o mundo não é visto à luz do ministério do Papa; é o Papa que está a ser submetido à luz dos padrões do mundo.
Embora o mundo tenda a considerar os cristãos como «forasteiros» (cf. 1Ped 2, 11), a apreciação feita ao Papa até tem sido globalmente positiva.
E o certo é que – em palavras e ações, por denúncias e anúncios – Francisco esteve sempre atento à situação da humanidade.
Não se escondendo numa facilmente justificável neutralidade – nem sequer na «neutralidade ativa e operante» de Gramsci –, ergueu a voz e tomou partido: pelos pobres, pelos humildes, pelos sofredores, pelas vítimas.
Enfim, mergulhou a fundo na história pelo lado «de baixo» pelo lado soterrado, pelo lado dos que continuam a ser pisados.
Acontece que a analítica em torno do Papa Francisco tem incluído – não raramente – frases travadas, visões parcelares, posições truncadas e atitudes descontextualizadas.
Não falta mesmo quem lhe aplique alinhamentos mais ideológicos que teológicos e lhe atribua propósitos mais politizados do que evangelizadores.
Tudo isto empobrece a compreensão de uma figura tão clarividente, que tinha um eixo central donde tudo derivava: o Jesus do Evangelho e o Evangelho de Jesus.
Foi como discípulo de Jesus e anunciador do Evangelho que o Santo Padre propugnou uma «Igreja em saída», envolvendo-a na preservação da «casa comum», alertando-nos para a «economia que mata» e aproximando-se sempre dos mais pequenos (cf. Mt 25, 40).
É por isso que importará, entre tantas recordações, reavivar porventura a âncora fundamental, embora subestimada, da sua trajetória: o chamamento à santidade.
Deixando que Deus o «fizesse santo» – conforme lhe recomendou a Avó no dia da Missa Nova –, a santidade vertebrou o seu inteiro pontificado.
Impressiona pois que, no conjunto dos seus documentos, não se valorize devidamente um dos textos mais belos e memoráveis do seu ministério petrino: a exortação «Gaudete et Exsultate».
Pressuposto: porque Deus é santo e porque nós somos imagem de Deus (cf. Gén 1, 26), a santidade não deveria ser privilégio de poucos, mas uma vocação para todos.
A santidade não é extraterrestre; a santidade é que transforma a terra, fazendo-nos – nela – «dar um passo em frente» na direção de Deus.
Daí que a santidade se alimente na oração, em que «permanecemos com Jesus sem pressa e nos deixamos olhar por Ele».
Ao Papa Francisco devemos a convocação para uma espécie de «globalização da santidade».
A ela não ascendem apenas os que são beatificados ou canonizados.
O Sumo Pontífice deliciava-se com «a santidade ao pé da porta», daqueles que «vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus».
E não foi ele um dos mais luminosos reflexos d’Ele? Não encolhamos o seu legado.