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O “APÓLOGO DE AGRIPA”

 

No tempo das revoltas romanas houve um pensador importante chamado Neménio Agripa, muito popularizado por procurar obter lições de moral a partir dos mais variados objetos. Até que, uma certa vez, decidiu voltar a sua veia filosófica para os diversos órgãos do corpo humano, imaginando-os revoltados. É que diziam: todos trabalhamos de sol a sol, mas só o estômago é que recebe alimentos. 

Reclamaram os pés: – “suportamos o peso do nosso amo, trabalhamos de sol-a-sol e caminhamos que nos fartamos, para quê? Quando é o estômago, sem fazer nada, quem recebe toda a comida e nós…nicles!” 

Os dentes barafustaram: – “mastigamos toda a vida, trituramos alimentos com afinco e aquela ‘pança’ o que faz? Recebe tudo sem esforço e delicia-se com o bem-bom do sabor”.

E assim, um por um, todos os órgãos foram reclamando até saírem à cena os mais importantes e últimos a aderirem ao movimento grevista, dizendo: – “deixaremos de fornecer-lhe o oxigénio! – Rugiram os pulmões. – “Cortaremos toda a sua cota de sangue!” – Aplaudiu o coração. – “Vamos para a greve geral!” – Sugeriu a boca.

A greve lá começou com enormes aplausos de todos os promotores. Só que ao fim de dois dias, sem alimentação, o corpo começou a definhar. E todos os órgãos enfraquecidos começaram a reclamar por energia. Porém, algo houve no espírito humano a ficar inquieto: a consciência, que achou ser o momento oportuno para falar:

– “Meus amigos, fostes precipitados. Se é verdade que os pés, os dentes, os pulmões e todos os demais órgãos trabalham e só o estômago é que recebe os alimentos, também é certo que todos lucram graças à sua transformação em proteínas, sais minerais e outros nutrientes que todos recebem através do sangue. Por isso, antes de decidirem fazer uma greve, pesem as consequências, oiçam a minha voz e pensem no mal que vão fazer aos outros. Sobretudo aos que mais dependem do funcionamento de setores indispensáveis à sua vida diária. Ou seja, procurem a harmonia da sociedade e não o confronto. Revindiquem sadiamente os vossos direitos e cumpram, escrupulosamente, os deveres”. 

Depois de todos os órgãos do corpo terem ouvido as sábias palavas da consciência, lá desconvocaram a greve.

O exemplo acima transcrito revela-nos o nefasto incómodo que uma greve precipitada pode trazer a algumas classes sociais mais vulneráveis. Por isso, não basta dizer-se que ela é um direito Constitucional. Há que pesar o seu uso em detrimento de quem quase nunca a faz. Falo das sistemáticas paralisações que se fazem no setor público e das que não se vêm ser feitas no privado

Ora, quem coordena, propõe, dirige a participa na maioria das lutas sindicais a nível nacional para além da UGT, é a CGTP. Uma Intersindical controlada, há 50 anos, pelo PCP e que funciona como sua correia de transmissão. Sendo a que mais peso tem no sindicalismo português. É ela quem mais condiciona a governação do país. Ou seja, a que mais greves convoca, sempre que o executivo não é de esquerda e serenando quando é. Basta recordarmos a sua postura cordata durante os quatro anos da “geringonça” – de que fez parte a força política que a domina – em que, apesar das injustiças, as greves abrandaram. Daí, a razão pela qual não as vermos nos países de matriz comunista. 

Enquanto o famoso “Apólogo de Agripa” se refere ao corpo humano como um todo, Portugal mais parece ter o do direito à greve dessincronizado. Isto é, de um lado as sistemáticas paralisações da função pública e a quase ausência delas no privado. Sendo as pessoas que laboram neste as mais prejudicadas. Sobretudo, as que compram o passe social e se vêm sem transportes; as que necessitam de tratamentos, exames e consultas e levam tampa do SNS; as sem aulas e aprendizagem, devido à ausência dos docentes e auxiliares, etc. Enfim, todas as que necessitam de recorrer aos serviços públicos e ficam a zero. Imagine-se as repercussões de uma greve nas farmácias, se elas fossem do Estado! Seria o caos sanitário! 

 

 

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

28 abril 2025