Estes têm sido dias marcados, em todo o mundo, pela evocação do legado do Papa Francisco. Ele também tem sido devidamente lembrado em Portugal, onde se tem estado a celebrar o 25 de Abril. Construir uma terra fraterna é um propósito que Francisco e o 25 de Abril têm em comum.
A terra da fraternidade – onde em cada esquina havia um amigo e em cada rosto igualdade – estava na memorável canção de José Afonso que sinalizou o início das operações do Movimento das Forças Armadas para derrubar um regime opressor (em que, já agora, a corrupção apenas não surgia nas primeiras páginas da imprensa porque a censura tratava de o reprimir).
Uma terra de fraternidade era, consabidamente, um firme desejo de Francisco. A ideia, aliás, é profundamente cristã: todos irmãos, filhos de Deus.
A fraternidade constrói-se com o que cada um tem de melhor, como em tantos momentos pudemos devidamente testemunhar. E o Papa Francisco foi de entre todos os que, em todo o mundo, dispuseram e dispõem de autoridade, aquele que mais insistentemente puxou pelo melhor de cada pessoa. Por isso se lhe opuseram os que, para benefício próprio, acirram o pior que em cada um pode existir.
O jornalista Austen Ivereigh, que esteve em Portugal recentemente, assinalou em O Pastor ferido. O Papa Francisco e a sua luta para converter a Igreja Católica que “a história é uma arena de combate espiritual”, razão por que não deveria surpreender que, no preciso momento em que, com Francisco, a Igreja demonstrava a universalidade do amor de Deus, “uma onda de intolerância e de populismo esteja a varrer o mundo ocidental”. Francisco ficava assim “exposto como o mestre construtor de pontes numa época de enraivecidos construtores de muros”.
A fraternidade é uma ideia antiga, mas germina como uma grande ideia actual. Sem ela não há qualquer futuro promissor.
O jornalista e escritor Éric Fottorino considerou, no semanário francês Le 1 (1), que “poderíamos dizer, caricaturando um pouco, ou simplesmente forçando as palavras, por não se poderem forçar as coisas, que a liberdade e a igualdade são direitos, e que a fraternidade é mais uma questão de dever. Um dever descartável nas nossas sociedades individualistas por estarem muito focadas nos egos”.
Daí que seja, “portanto, útil recordar a sacralidade e a universalidade que subsistem nesta noção de fraternidade, uma sacralidade proveniente das suas origens religiosas, um universalismo que nasce da sua tradução secular”.
A fraternidade é “um sentimento humano, vivo e imperecível”. explicou Charles Péguy no ensaio De Jean Coste. No extracto citado pelo jornal, o escritor enfatiza a relevância de que ela se reveste dizendo que se trata de “um sentimento que é profundamente conservador e profundamente revolucionário; é um sentimento simples; é um dos principais sentimentos que fizeram a humanidade, que a mantiveram, que sem dúvida a libertarão: é um grande sentimento, de grande préstimo, de grande história e de grande futuro: é um grande e nobre sentimento, tão antigo quanto o mundo, que fez o mundo”.
Para que o dever de fraternidade não seja apenas um “desejo piedoso”, ela imporá, desde logo, que, como sugeriu o filósofo Régis Debray, citado por Éric Fottorino, se sinta “o ataque à dignidade do outro como se fosse um ataque à minha dignidade”.
O Papa Francisco foi incansável a afirmar a importância da dignidade humana. Foi para a respeitar que se fez o 25 de Abril
(1) 29 de Julho de 2020