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ABRIL, ENTRE A PROMESSA E A REALIDADE: 51 ANOS DEPOIS…

Vamos comemorar, os 51 anos sobre o 25 de Abril de 1974 e, com ele, meio século daa primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte. Este duplo marco convida-nos não apenas à celebração, mas à reflexão. O livro Portugal 50 Anos Depois do 25 de Abril, de João Gouveia Monteiro, insere-se precisamente neste espírito: não o de uma comemoração meramente ritual, mas o de um balanço crítico e consciente sobre o que foi feito, e por fazer, desde a Revolução dos Cravos.

 

A obra de Gouveia Monteiro distingue-se pelo seu carácter multifacetado. O autor não envereda por nostalgias fáceis nem por julgamentos apressados; antes propõe um exercício de autocrítica construtiva, que procura compreender os avanços democráticos, os bloqueios estruturais e os desafios persistentes. Em vez de celebrar Abril como um evento fechado no tempo, propõe-se pensar Abril como um processo inacabado.

É neste sentido que se compreende a ideia de Tereixa Constenla, quando afirma que "Abril é um País". Vai mais longe. Abril é, talvez, mais do que um País. Abril é uma Nação. Na perspetiva em que forja uma identidade comum, ancorada em valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Abril não é apenas o que aconteceu, mas o que permanece por cumprir. A dimensão simbólica do 25 de Abril torna-se, então, horizonte de futuro, mais do que memória do passado.

Sophia de Mello Breyner, com a sua expressão poética e política, "Esta é a madrugada que eu esperava", condensou o anseio colectivo de um povo que emergia de 48 anos de ditadura. Mas, se essa madrugada, representava o renascer da esperança, não podemos esquecer, como afirmou Lídia Jorge, que "toda a revolução é uma grande alegria que anuncia uma grande tristeza". A revolução contém em si a alegria da libertação e o peso da responsabilidade coletiva.

Anuncia sonhos, mas também expõe fragilidades. A democracia portuguesa, apesar das suas conquistas inegáveis, como a consolidação das instituições, o Serviço Nacional de Saúde, o acesso à educação para todos, a liberdade de imprensa e muitas outras. Ainda está marcada por desigualdades persistentes, por uma crescente indiferença política e por desafios estruturais, que comprometem a plena realização da promessa de Abril.

As eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em 1975, foram um momento fundacional. Pela primeira vez, os portugueses escolheram livremente os seus representantes, cuja missão se centrou na redação Constituição de 1976. Esse texto, ainda hoje em vigor, apesar das revisões, consagrou direitos fundamentais e delineou os contornos de um regime democrático. Mas a democracia formal não pode substituir a democracia real. Aquela que se concretiza na justiça social, na participação cívica, na igualdade de oportunidades.

Num contexto europeu e global, marcado pela ascensão de discursos populistas, pelo descrédito das instituições e pela erosão das liberdades civis, somos instados a revisitar Abril, com lucidez e imparcialidade. Não para o sacralizar, mas para o reinscrever no presente. Os 50 anos das eleições para a Assembleia Constituinte lembram-nos que a democracia não é um dado adquirido, mas um trabalho constante. Como nos recorda José Gomes Ferreira, "Liberdade é um acto. Um acto de todos os dias", porque a democracia não é de esquerda nem de direita. É, de “todos, todos, todos”!

Assim, o ensaio de João Gouveia Monteiro, ao promover uma análise crítica das últimas cinco décadas, devolve-nos a “Revolução dos cravos”, como um imperativo cívico e político. E talvez aí resida a sua maior virtude. Recusar o conforto da celebração passiva e desafiar-nos a pensar um Portugal, onde a liberdade não seja apenas um direito inscrito na lei, mas uma realidade constante, na vida concreta de cada cidadão.

Abril, mais do que uma data comemorativa ou uma memória, é um compromisso e um desígnio nacional, entre a promessa e a realidade: 51 anos depois…

Manuel Barros

Manuel Barros

25 abril 2025