É inegável que, mercê das transformações políticas, sociais e culturais que o país sofreu nos últimos cinquenta anos, a celebração da Páscoa perdeu a centralidade que tinha no espaço público, sem todavia perder a carga espiritual simbólica e o sentido transcendente que lhe são inerentes.
A laicidade do Estado, a crise de valores morais e religiosos, os enormes progressos tecnológicos, a globalização e a emergência da era digital e da inteligência artificial (IA) são, entre outros, factores que contribuíram para que a festa maior do calendário cristão perdesse muito do seu fulgor religioso, acentuando-lhe mais o carácter lúdico de tempo de férias, de consumo, de troca de presentes e de reencontro familiar, em linha, aliás, com o que veio acontecendo com as festividades do Natal.
A verdade, porém, é que, volvidos cerca de dois mil anos, a ressurreição de Cristo continua a interpelar a nossa racionalidade e a falar-nos de um Amor capaz de vencer a morte e de restaurar a vida, dando pleno sentido à humanidade e à sua divina criação.
É por isso que penso que a revitalização do sentido e da vivência da Páscoa é caminho seguro para resgatar os valores perenes e universais que estão na base desta celebração: perdão, redenção, espírito de partilha e de compaixão, solidariedade, renovação, esperança e amor.
E também a necessidade e o dever de lembrar e honrar os nossos antepassados, para que continuem vivos nas nossas memórias, nos nossos corações, nos nossos lares.
Para alcançar este desiderato, impõe-se que, para além de medidas a tomar no âmbito estritamente catequético e religioso, sejam tomadas iniciativas culturais e educativas que visem fomentar, nas escolas e nas comunidades, a compreensão e a importância da celebração pascal, com o apoio da sociedade civil e até do Estado, já que o princípio da laicidade estatal não pode nem deve impedir – antes justifica – a procura vital do bem-estar espiritual dos cidadãos.
E isto porque a Páscoa pode e deve ser pretexto para momentos de reflexão sobre todos os referidos temas universais que convoca e sobre os desafios que desperta, quaisquer que sejam as crenças das pessoas e seja qual for a intensidade da sua fé.
Por conseguinte, sem prejuízo da recristianização da sociedade que advogo, sinto que importa revitalizar a vivência social da Páscoa, inclusive em meios ou contextos de secularização, pois que, no seu significado essencial, promove e celebra a renovação da esperança e do amor ao próximo, num mundo que tão carecido anda destes valores.
E, para esse efeito, podem e devem aproveitar-se todos os meios de comunicação social, todas as plataformas digitais e todos os recursos da IA. A profundidade espiritual e religiosa das festividades pascais ganham com o uso simultâneo de todos estes meios, a cujas dinâmicas e virtualidades tem de saber adaptar-se.
Trilhar todos os caminhos para encontrar o sentido da vida que a Cruz proclama é, pois, o grande desafio a que este tempo pascal nos convoca. Saibamos aceitá-lo com humildade, à semelhança do exemplo supremo de doação do Senhor Jesus.
Uma Páscoa Feliz para todos os estimados leitores