A Páscoa chega todos os anos com promessas de renovação. Para muitos, é tempo de reencontros, de mesas cheias, de ovos de chocolate e de rituais que atravessam gerações. Para outros, é um momento em que a ausência se torna ainda mais presente, em que o silêncio pesa mais do que o habitual, e em que o coração hesita entre a esperança e a saudade.
Como terapeuta do luto, escuto histórias de quem enfrenta esta quadra com um nó na garganta. Pessoas que perderam alguém recentemente ou há muito tempo, mas que continuam a sentir a cadeira vazia à mesa como uma ferida aberta. A verdade é que a Páscoa, com toda a sua simbologia, não é apenas sobre a vida que vence a morte – é também sobre a travessia do sofrimento, o tempo da espera, o vazio antes da ressurreição.
Na tradição cristã, a Páscoa é antecedida pela dor da sexta-feira, pela espera do sábado santo, e só depois chega a alegria do domingo. Esta ordem não é por acaso. Há um tempo para tudo. E no luto, esse tempo é sagrado. É preciso permitir-se viver o sábado da alma – aquele espaço onde tudo parece suspenso, onde a ausência fala mais alto, onde ainda não há luz.
Neste tempo pascal, não são apenas os sinos que tocam: são também as memórias. A primeira Páscoa sem aquela voz, aquele abraço, aquele olhar, pode ser profundamente desafiadora. E mesmo muitos anos depois, há datas que continuam a doer como se fosse ontem. As festividades, que outrora eram fonte de alegria, tornam-se, para muitas pessoas, uma recordação viva daquilo (ou de quem) já não está.
Talvez o mais difícil seja a sensação de desencontro: o mundo à nossa volta celebra, mas dentro de nós há luto. Vive-se uma espécie de exílio emocional – como se estivéssemos fora do tempo, fora do ritmo. Enquanto uns celebram, outros sobrevivem. E é importante dar voz a este lugar: o da dor que não se dissolve com o feriado, o da saudade que não tira férias.
Mas há também algo de profundamente transformador nesta quadra. A Páscoa fala-nos de morte, sim, mas fala-nos também de renascimento. Não de um renascimento forçado, mas de um que acontece quando o tempo interno permite. Quando há espaço para acolher a dor e transformá-la em amor. Quando há escuta, quando há presença.
E talvez o verdadeiro espírito pascal esteja nisso: no acolhimento. Na capacidade de estar com o outro – não para tirar-lhe a dor, mas para segurá-la junto, por instantes. Num gesto simples, numa palavra amiga, numa presença silenciosa que diz: “Estou aqui”.
É curioso como, mesmo em meio à dor, algo novo pode começar a nascer. Por vezes, é uma pequena vontade de voltar a fazer algo que se gostava. Outras vezes, é um ritual pessoal que se cria — acender uma vela, escrever uma carta, olhar uma fotografia com ternura. São pequenos movimentos de vida, sementes que brotam mesmo no solo da ausência.
Para quem está em luto, deixo uma palavra de ternura: permite-te viver esta Páscoa à tua maneira. Não há um “dever ser”. Podes recusar convites. Podes querer silêncio. Podes precisar de rituais próprios, íntimos. Tudo é válido, tudo é humano. E se possível, permite também que alguma esperança se aproxime – não a esperança barulhenta, que tudo quer resolver, mas aquela que entra devagarinho, como uma luz que começa a romper a madrugada.
Que possamos aprender com o ciclo pascal: a dor não é o fim da história. A perda deixa marcas profundas, mas dentro de nós existe também uma força antiga, que nos sustenta nos momentos mais escuros e nos convida, pouco a pouco, a florescer de novo.