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Os Cristãos passaram a admitir o Batismo sem uso de água

Devo dizer, com toda a sinceridade, que não sei nem como surgiu este mito, nem com que finalidade (exceto a de se descreditar o Cristianismo nas suas formas históricas que mantiveram, até hoje, a ortodoxia da fé apostólica, como que afirmando uma rutura com uma prática essencial para se entrar do Reino [conferir Jo. 3,5]). Com isto em consideração, talvez seja uma oportunidade para esclarecer o papel da água no Batismo durante o século segundo.

Ora bem, essa relação está logo e imediatamente presente, na palavra “batizar” que não significa senão “aspergir com água”. Esta era uma tradição judaica praticada em quem, por exemplo, desejava converter-se ao judaísmo, tornando-se “prosélitos das portas”. A extensão do ato de batizar a uma imersão total (presente, por exemplo, no que fazia João Batista) foi um gesto natural face à busca de um simbolismo material mais forte.

Com o Batismo de Jesus por imersão no Jordão (com uma ação santificadora capacitadora por parte do Espírito Santo), essa prática torna-se quase que normativa no Cristianismo. De facto, era raro o Batismo ser celebrado de outra forma, inclusive dentro de amplas variações dentro de uma regra relativamente comum (tripla imersão do catecúmeno na água acompanhadas pelas palavras de Mt. 28: «batizem-nos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», com grande relevo teológico a dever ser dado ao duplo “e” presente entre as referências às Pessoas da Trindade).

Dito isto, a Grande Igreja acolheu (e com uma grande adaptabilidade ritual, face às diversas condições de acesso à água) o uso de uma maior ou menor quantidade desse líquido (mas sempre mantendo as ditas palavras bíblicas). Assim sendo, aceitou-se a prática da efusão; isto é, o colocar no catecúmeno a água recolhida pelas mãos do celebrante (postas em forma de concha). Mas não só: a aspersão também foi aceite e, em lugares desérticos e em condições de urgência sem água acessível, era usada a saliva de quem celebrava.

O que jamais aconteceu foi o que o presente mito pretende dizer: a celebração do Batismo sem água. Jamais. Na sua forma natural ou quase (o aduzido uso, em derradeiro recurso, da saliva), a água foi sempre empregue no Batismo durante o séc. II como símbolo eficaz (conquanto indissociável com as palavras do ministro) da ação santificadora purificadora do Espírito Santo, que nos enxerta em Jesus Cristo, abrindo, deste modo, as portas a uma nova forma de relação com Este último.

Além do mais, a água não era entendida como um meio de lavar o sujeito, mas sim como uma ação que permitisse ao Espírito Santo limpar o nosso coração quando em comunhão (já neste período testada) com a fé da Grande Igreja. Essa ação, e se o posso dizer, unia o sujeito aos demais batizados na fraternidade espiritual cristã – exclusiva, mas para atrair à inclusão.

Na verdade, pese embora a imersão tenha sido mais claramente coerente com o misticamente justificado por São Paulo como uma iniciação mística ao mistério da Páscoa de Jesus, os cristãos do séc. II tiveram que se adaptar a situações em que tal não era possível. Isto não foi uma desvalorização do dito em Jo. 3,5, mas o compreender que o mais importante não era o ritual (nunca desvalorizado em si mesmo), mas a intenção espiritual salvífica a ele subjacente.

Alexandre Freire Duarte

Alexandre Freire Duarte

16 abril 2025