Antes de mais a explicação do título. Sem querer significar o mesmo que o canto do galo bíblico, porque esse era a determinada hora da noite, mais exactamente ao final da terceira hora da noite, coincidindo com a mudança de turno da guarda romana à fortaleza de Antónia, utilizo aqui a expressão apenas para significar o reiterar de mentiras e a negação de princípios dos agentes políticos, mormente em determinados tempos.
Vivemos num desses tempos, em que cada qual procura puxar a brasa para a sua sardinha. Não me refiro à preparação de nenhuma refeição, nem a nenhum concurso de gastronomia. Refiro-me, sei que perceberam bem, à campanha eleitoral onde se faz passar um sem número de propostas para eleitor reter e, obviamente, em que cada um faz crer que as suas são as melhores e bem assim que se realizações houve se deveram a iniciativa ou pressão próprias. Sabemos que muito do que se promete é apenas texto, verbo, e nada mais, que não chega à prática. Não se prometeu tanto na campanha anterior e o que foi feito? Ficaram apenas alguns pormenores por cumprir, sem grande implicação ou transtorno para a população? Não. Foi muito o que ficou por ser cumprido e que tinha sido prometido que seria para executar quase imediatamente. Atente-se ao que se passou e passa no campo da Saúde. Não houve tempo para dar corpo ao anunciado com estrondo? Houve. O que não houve foi vontade e suficiente rasgo político. Ao contrário, para não dar o braço a torcer, rasgaram-se iniciativas válidas que estavam em movimento, por pura teimosia.
Na nova campanha que está em curso, a mesma estratégia se repete, e até as crenças se põem em causa, o que não é original. É tudo um jogo, ninguém assume verdadeiramente a sua ideologia na campanha, mas o que dá jeito para se conseguir o maior número possível de votos. E está muito em jogo, desde o poder, a influência no que houver para decidir e até mesmo a sobrevivência partidária. Com alguma atenção e relativa facilidade se repara nas voltas que os agentes partidários dão, nas propostas que apresentam e como as apresentam, frequentemente, como se fossem novas e tantas vezes ao arrepio do julgamento que antes fizeram das mesmas noutras circunstâncias e noutros tempos. O galo também canta na política e de que maneira. Aliás, não pára de cantar, ainda que os proponentes achem que os cidadãos ouvintes não dão por isso. Não se admirem os actores políticos, pois são eles que fazem accionar o canto quando trocam o serviço público por interesses particulares ou partidários e a coerência por contradições despudoradas, quando prometem e não cumprem ou quando estabelecem alianças por manifesto interesse partidário sem atender ao bem do país e das pessoas que o habitam.
Nestes tempos de luta pelos votos, colocam-se de lado princípios e valores, partilham-se comentários que dão jeito ao ego de quem publica ou interessam ao partido em que se milita, sem acrescentar uma ideia ou um fundamento, como se o que se publica valha por si, como se esse discurso seja único e haja uma unanimidade de posições sobre o assunto. Felizmente que não é assim e que há quem se posicione com argumentação e seja coerente no que diz e escreve. As redes sociais são, muitas vezes, palco para o desfile de banalidades, de ataques sem princípios e de mentiras descabeladas. Aqui o galo canta e muito, sem horas para se fazer ouvir. Em democracia pode-se dizer o que se pensa, mas convém que se preserve a decência e a honestidade intelectual para que o galo não cante a toda a hora.