A celebração que ocorre na noite de Sábado Santo, assinalando a ressurreição de Jesus Cristo e a conclusão do Tríduo Pascal, é, no dizer de Santo Agostinho, “a mãe de todas as vigílias”. “Coração da liturgia cristã, centro do ano litúrgico, a mais antiga, a mais sagrada, a mais rica de todas as celebrações” (Missal Popular, p. 378) são também afirmações que ajudam a compreender o que é e o que significa a Vigília Pascal.
Esta celebração remonta aos primeiros séculos do cristianismo, em que os primeiros cristãos celebravam a Páscoa com uma longa vigília noturna1 que incluía leituras da Escritura, cânticos, orações e o batismo dos catecúmenos que para tal se haviam preparado, de forma remota, durante um longo tempo de formação (catecumenado) e, de forma mais próxima, no Tempo da Quaresma. Celebrada a Vigília Pascal, o amanhecer do dia prestava-se a ser o momento que simbolizava a ressurreição de Jesus.
Durante a Idade Média, por motivos práticos e disciplinares2, a Vigília passou a ser celebrada durante o dia do Sábado Santo, perdendo o seu sentido original. Só em 1951, pelo decreto Dominicae Resurrectionis, o Papa Pio XII determinou que passasse, de novo, para a noite do Sábado Santo, restituindo-lhe o seu sentido original3. A reforma do Concílio Vaticano II confirmou esta decisão. Desde então, voltou a ser uma celebração rica de simbolismo e fortemente ligada ao mistério da fé cristã.
A Vigília Pascal consta de quatro partes:
- Liturgia da Luz ou Lucernário: começa no exterior do espaço celebrativo, com o acender do lume novo e do Círio Pascal, símbolo por excelência de Cristo, Luz do mundo; e continua com o Precónio4 Pascal, onde se canta os louvores daquela noite em que se celebra a ressurreição de Cristo e a sua vitória sobre a morte.
- Liturgia da Palavra: consta de uma série de leituras bíblicas5 que contam a história da salvação, desde a criação (Génesis) até à ressurreição (Evangelho). As leituras do Antigo Testamento são seguidas de um Salmo Responsorial e, à do Apóstolo Paulo, segue-se uma solene Aclamação ao Evangelho.
- Liturgia Batismal: consiste na bênção da água; no batismo dos catecúmenos6, se os houver; e na renovação das promessas batismais por parte da assembleia que é, de seguida, aspergida com água benta.
- Liturgia Eucarística: a celebração culmina na Eucaristia, onde se afirma a vitória de Cristo sobre a morte e se exprime a alegria e a ação de graças pelas maravilhas realizadas nesta noite, “em que Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (Prefácio Pascal).
Tendo em conta que, na Vigília Pascal, se celebra acontecimentos remotos, pode correr-se o risco de a olhar como uma recordação simbólica ou como se de uma representação se tratasse (teatro). Sendo muito mais do que isso, é desejável que seja um verdadeiro mergulho no mistério pascal de Jesus Cristo e, dessa forma, uma afirmação de esperança e de renovação cristãs, reafirmando a fé na ressurreição e renovando os compromissos com a vida nova em Cristo. E isso contribui para que a fé cristã seja pascal e se traduza no testemunho de uma vida orientada pelos critérios de Jesus Cristo.
Momento central do ano litúrgico, a Vigília Pascal é tão importante e cheia de sentido que nenhum cristão poderá dispensar-se de nela participar, celebrando o pleno cumprimento das promessas de Deus, a passagem das trevas para a luz e do pecado para a graça e sobretudo a vitória da vida sobre a morte.
1 A noite assume um profundo simbolismo que, no Precónio Pascal, se diz deste modo: “Esta é a noite, da qual está escrito: A noite brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz”.
2 A antecipação da Vigília respondia melhor à dificuldade de iluminação do espaço celebrativo, encaixava melhor na agenda diária dos monges e do clero e era uma forma de antecipar o fim do jejum por eles praticado durante os dias de Sexta e Sábado Santos. Além disso, permitia que quem de longe se deslocava ao mosteiro ou convento para a celebração pudesse regressar a casa ainda de dia.
3 Em 1955, essa mudança foi confirmada e tornada normativa para toda a Igreja, com a reforma da Semana Santa, também sob o pontificado de Pio XII e pelo decreto Maxima Redemptionis Nostra Mysteria.
4 O termo “precónio” vem do latim praeconium e significa “anúncio” ou “proclamação” de um acontecimento importante, diante da comunidade. Também se chama Exsultet (“alegre-se”, “exulte”), visto ser essa a sua primeira palavra. É um hino muito antigo, dos primeiros séculos, citado e inspirado em vários Padres da Igreja, tais como Ambrósio, Jerónimo e Agostinho.
5 Na sua forma plena, são sete leituras do Antigo Testamento (Gn 1,1-2,2; Gn 22,1-18; Ex 14,15-15,1; Is 54,5-14; Is 55,1-11; Bar 3,9-15.32-4, 4; Ez 36,16-33). Pode reduzir-se a três, sendo a de Ex 14 obrigatória. Depois do canto do Glória, acresce uma leitura de Paulo (Rm 6,3-11) e o texto do Evangelho (Mt 28,1-10/Ano A; Mc 16,1-18/Ano B; Lc 24,1-12/Ano C).
6 A palavra “catecúmeno” é de origem grega e significa “o que é instruído de viva voz”, “o que é ensinado”. No cristianismo primitivo, desde muito cedo foi reservada para designar os que se preparavam para o batismo.