Ainda que não formalmente, do ponto de vista factual estamos em campanha eleitoral. Sem estranheza para os eleitores, é o tempo em que habitualmente os partidos são pródigos em anunciar boas novas, desde a baixa de impostos e benesses várias para os eleitores até ao investimento público em equipamentos sociais de relevo, entre outras. Por regra, as ofertas tendem a exponenciar-se mais entre os partidos ainda na oposição e que almejam aceder agora à governação ou também, e ao invés, entre aqueles partidos que, mesmo que não o possam confessar publicamente, vislumbram o acesso à mesma governação como algo quase mirífico, podendo, pois, neste caso, atrever-se a propostas que derivem em futuros desmandos financeiros para o estado.
Simultaneamente, é também comum quase todos os partidos assinalarem a difícil conjuntura que envolverá a futura governação, ainda que, naturalmente, avancem com propostas “de ataque” divergentes para os problemas que antecipam. Todavia, atendo-nos às já longas cinco décadas transcorridas na nossa democracia após 25 de Abril, não acertaremos, de verdade, numa conjuntura internacional que se tenha mostrado simultaneamente tão adversa e imprevisível para o horizonte próximo como a agora observada.
E assim é, e uma vez mais tem de vir à liça, porque nos incontornáveis EUA o cargo de presidente do país é desempenhado por uma personagem dificilmente perscrutável, que se comporta mais como um jogador de poker no plano das relações internacionais (e o próprio assume-o, de alguma forma, é um facto), que numa linguagem pouco diplomática ou urbana menospreza a valia e o poder negocial de países terceiros na defesa dos seus legítimos interesses (they are kissing… my ass, diz Trump, o que me escuso de traduzir, referindo-se àqueles que terão solicitado aos EUA a renegociação das suas ininteligíveis “tarifas” comerciais).
Que os EUA se pudessem sentir desfavorecidos pelos termos de troca atuais no comércio mundial pode eventualmente aceitar-se. Porém, e ainda que o candidato presidencial Trump já tivesse avisado do seu propósito de atacar o deficit comercial do país, ninguém estaria à espera de tamanha convulsão tarifária apoiada numa fórmula que praticamente nenhum académico valida – como qualquer homem comum, aliás, tal a sua simplicidade pacóvia.
Os investidores na bolsa de valores, por natureza, estão habituados a enfrentar conjunturas de incerteza, a esperar pela bonança quando emergem dias tempestuosos. Mas num país tão importante quanto os EUA, não haverá memória de atuações presidenciais tão erráticas quanto as protagonizadas por Trump. De opções mal-sucedidas, há de facto, registo como ocorreu com as adotadas pelo presidente Herbert Hoover para enfrentar a grande depressão de 1929-32, assentes igualmente na opção por medidas tarifárias fortemente protecionistas. Agora, todavia, com os EUA de Trump de costas voltadas para o mundo, num ziguezaguear de arremesso tarifário (e outras ameaças, como as pretensões anexionistas sobre o todo ou parte do território de países aliados), ao qual se sucede a suspensão, para depois voltar eventualmente a uma escalada na coação, mostra-se difícil para os demais líderes mundiais traçar rumos credíveis para a sua governação.
E assim voltamos para o nosso retângulo, na Península Ibérica, acertando-se, pois, que de mais certo o que teremos em anos próximos é a incerteza. Mais do que nunca em eleições passadas, na campanha eleitoral já em curso quanto maiores e ousadas forem as promessas maior a possibilidade de as mesmas virem a ser incumpridas.
Por cá, como na Europa ou até no resto do mundo, o “cabo não” acabará ultrapassado, com certeza. Se a já quase interminável guerra na Ucrânia não derivar numa catástrofe maior – e Trump prometeu terminá-la em 24 horas durante a sua campanha eleitoral (como?), embora depois tenha confessado que estava a ironizar – o mundo há de recompor-se, embora num formato bem diferente do atual, antecipamos, designadamente com uns EUA mais encolhidos no seu protagonismo, conforme já vaticinei, atenta a menor fiabilidade que oferece no seu posicionamento internacional nos vários planos, desde o comercial até ao das alianças militares.
Caminharemos para um tempo histórico singular, avesso à morna normalidade das últimas décadas.