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Os Cristãos do Segundo Século eram Milenaristas

Errados. Equivocados. Veiculadores de doutrinas falsas. Eis o que é dito, particularmente acerca do Milenarismo, a respeito dos nossos irmãos na fé que viveram no séc. II. Sim; é verdade: muitos cristãos criam, durante este século (e mesmo depois), no Milenarismo, mas nunca essa conceção escatológica foi assumida como teologicamente normativa, nem para os batizados, nem para os que o queriam ser, nem para quem produzia teologia na Grande Igreja.

Depois desta introdução empolgada, talvez deva esclarecer aquilo que foi o “Milenarismo”. Este foi um movimento que, baseado numa leitura literal do complexo texto de Ap. 20,1-15 (e também de algumas ideias do Antigo Testamento e dos escritos paulinos), afirmava que a vinda gloriosa do Senhor estaria mais ou menos iminente e que, após a mesma, Ele reinaria, desde Jerusalém e com os justos que tinham morrido ou estariam vivos, a Terra durante mil anos. Tempo este no qual tais justos fruiriam de prazeres sensíveis dadores da felicidade.

Após esta fase de mil anos, viria a ressurreição geral dos ainda mortos a) seja os que, havendo falecido antes da vinda do Senhor, não tinham sido tidos como justos por Este aquando dessa vinda; b) seja os que, estando vivos em tal ocasião, tampouco foram tidos como justos e, assim, haviam morrido nesse momento. Eis algo que não pode admirar a quem sabe como viviam, pensavam e oravam os cristãos a partir do período das perseguições à Igreja.

Numa época em que, conforme o já referido na última frase do parágrafo anterior, a doutrina escatológica ainda se focava, e muito, numa intervenção divina que fizesse justiça punitiva aos poderes hostis à Igreja face o que estava a ocorrer, é compreensível que se olhasse com redobrada e impaciente Esperança para a vinda definitiva do Senhor Jesus. Definitiva, sim, mas não tanto segunda, porquanto já se considerava que esta havia começado a ocorrer de modo contínuo desde o Pentecostes.

Mas não é tudo: esta posição teológica também surgiu em autores que combatiam algumas correntes gnósticas que, fruto de desvalorização da matéria e do corporal, rejeitavam não só o “Livro do Apocalipse”, como também toda a esperança dos cristãos numa feliz vida futura, mesmo quando, como advogava a maioria desses grupos de gnósticos, essa vida fosse apenas espiritual. De facto, esses movimentos gnósticos acreditavam que só eles, e graças a conhecimentos secretos, seriam salvos, não do “pecado”, mas da “materialidade”.

Dito isto, no decurso do séc. II nunca o milenarismo aparece como doutrina universal da Grande Igreja ou como parte da tradição apostólica. As “regras da fé” (embriões dos símbolos da fé primitivos) mencionam, frequentemente, a ressurreição da carne e o regresso de Cristo para julgar os vivos e os mortos, mas não falam sobre o supramencionado “milénio”. Mais: paralelamente ao combate do Montanismo, os teólogos cristãos (por exemplo, Caio Romano) começam, na segunda parte deste século segundo, a refutar as teses milenaristas.

Para essa refutação, principiam por reler à luz de uma cristologia pneumatológica as profecias do Antigo Testamento (como a de Zc. 14,9) que ajudaram ao surgir do Milenarismo. Depois, colocam de lado as fontes apócrifas que também ajudaram àquele advir. Por fim, e sobretudo desde Alexandria, fazem uma leitura alegórica de Ap. 20,4 como sinal de plenitude.

Alexandre Freire Duarte

Alexandre Freire Duarte

9 abril 2025