O recente falecimento do Padre Fernando da Conceição Apolinário Marques, ocorrido no passado dia 1, trouxe-me à mente a frase de Antoine de Saint-Exupéry, tantas vezes nestas circunstâncias repetida: “Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” (O Principezinho). E dei comigo a pensar: não sei se o Padre Fernando leva muito de nós, sei que nos deixa muito de si.
Nasceu a 8 de agosto de 1946, em S. João do Souto (Braga), e bem cedo começou a frequentar os Seminários Diocesanos, onde decorreu a sua formação. Foi ordenado sacerdote a 15 de agosto de 1969, na Sé de Braga, e, logo de seguida, assumiu a missão de prefeito do Seminário de Santiago. Um ano depois, rumou até à Paróquia do Divino Salvador de Amares, onde, durante dez anos, exerceu o seu ministério sacerdotal.
Em setembro de 1980, voltou a Braga, para Reitor da Igreja dos Terceiros e, três meses depois, foi nomeado Vigário Cooperador da Sé, com a finalidade de reorganizar a Paróquia da Cividade, de que, em 1981, se tornou Pároco. Nessa altura, ainda não o conhecia pessoalmente, mas lembro-me bem de, sendo eu seminarista, ouvir falar dele e das celebrações a que, na Cividade, presidia.
Dez anos depois, o Padre Fernando assumiu as comunidades paroquiais de Celeirós e Vimieiro. Na primeira delas, era imperioso construir uma nova Igreja e um complexo paroquial, a fim de responder à necessidade de espaço de uma comunidade que, já naquela altura, estava em franco crescimento. Na segunda, impunha-se restaurar a Igreja e construir um Salão Paroquial que respondesse às necessidades pastorais da comunidade. Às duas tarefas se devotou o Padre Fernando, de alma e coração. Congregou as comunidades, uniu esforços e entregou-se ao trabalho. Confiando em Deus e contando com a colaboração de muitos paroquianos, os objetivos foram alcançados com sucesso, em ambos os casos.
Não posso precisar quando nem como conheci o Padre Fernando. Foi seguramente nos meus primeiros anos de sacerdócio, pois recordo ter sido por essa altura que fui à Paróquia de Celeirós, no dia 10 de agosto, pregar o sermão do Padroeiro, S. Lourenço. E aí pude constatar, desde logo, o modo familiar como lidava com os seus paroquianos e o carinho que deles recebia.
Quando, em 2001, foi sujeito a uma delicada intervenção cirúrgica, prontifiquei-me para assumir a missa dominical das 7h 30, em Celeirós, e tal aconteceu durante mais de três meses. Por todos os motivos e também por esse, cresceu entre nós uma longa e bela história de amizade, de respeito mútuo e de cooperação. Os sermões dos Passos, de S. Lourenço e do Senhor da Paciência (Celeirós); os sermões de Santo Amaro, de Santa Ana e de S. Bento (Vimieiro); e tantos momentos de convívio ilustravam a nossa cooperação e foram tornando cada vez mais sólida a nossa amizade.
Em 2016, aquando dos 25 anos do seu serviço às comunidades, o Padre Fernando foi homenageado pela União de Freguesias de Celeirós, Aveleda e Vimieiro. Na altura, António Veiga, Presidente da Junta de Freguesia, afirmou: “É um sacerdote que deixa marcada a sua passagem por Celeirós”. E o meu amigo Firmino Marques, à época vice-presidente da Câmara Municipal de Braga, afirmou ser o Padre Fernando “um militante de boas causas. Já tem muitos anos de Pároco das duas freguesias e tem dado um excelente exemplo de que o clero também está mobilizado para tornar mais ricas as populações onde se insere”.
Em carta enviada, o então Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga, referia-se ao Padre Fernando como uma pessoa que “vive o sacerdócio com generosidade e um grande sentido de serviço. Creio ser unânime este reconhecimento e o valor inestimável que as pessoas sentem pelo Padre Apolinário. O seu serviço à comunidade repercute-se com consequências benéficas para a sociedade civil”.
No fim, o Padre Fernando referiu não estar a contar com a homenagem e acrescentou algo de muito belo: “Estou aqui ao serviço de Deus e por ordem do meu Bispo. Sinto-me em família e estou ao serviço de todos. Tenho a igreja e a residência aberta a toda a hora. Tenho uma família de quase quatro mil pessoas”.
Por motivos académicos, não pude estar na celebração das suas exéquias fúnebres, no passado dia 21, mas não podia deixar de lhe prestar a minha homenagem. Passei, ao fim da tarde do dia anterior, pela Igreja de Celeirós, para estar com a sua família, agradecer ao Padre Fernando a amizade e pedir-lhe que, junto de Deus, interceda pelos sacerdotes, a fim de que sejam, como ele foi, um rosto vivo da presença de Deus no meio do seu povo, exercendo a missão que lhes é confiada com a mesma alegria, entrega e generosidade com que ele exerceu a sua.
Não sei se o Padre Fernando levou consigo muito de nós, mas sei que deixou muito de si. Acredito que Deus recompensá-lo-á por quanto fez pelos seus paroquianos, amigos e familiares. Descanse em paz, caro amigo. Até ao dia do reencontro...
1Fazia, nesse dia, vinte anos que falecera o Papa João Paulo II, a quem a Paróquia de Celeirós prestou homenagem com um monumento junto à sua Igreja. Para quem acredita, não há coincidências, mas sinais.