Devo dizer que me deixou profundamente preocupado uma conversa de café que ouvi. Não conhecia nenhum dos participantes, nem eles entre si tinham relações de contacto habitual. No entanto, a proximidade das suas mesas levou a que entabulassem um diálogo espontâneo e, ao mesmo tempo desagradável pela temática que expunham, com um à vontade e uma aparência de normalidade que me entristeceu.
Embora falassem com voz vigorosa, que não ocultava a ninguém presente o que estavam a dizer, só prestei atenção quando interveio um outro vizinho de uma mesa diferente, em tom ligeiramente recriminatório, ainda que educado, que os levou a manter-se calados durante algum tempo. Quando o novo interlocutor saiu delicadamente, cumprimentando-os, voltaram atrás sobre as opiniões que haviam antes manifestado. O que lhes tinha sido dito, pelo que entendi, não os convenceu. Por isso, mal viram quem os interpelou pelas costas e em plena rua, insistiram nas ideias e decisões anteriores.
O assunto, ao fim e ao cabo, dizia respeito às próximas eleições no nosso país, motivadas pelas decisões políticas tomadas recentemente.
Eis um tema complexo e que, dificilmente, é aceite e interpretado do mesmo modo pelos nossos cidadãos.
Ao fim e ao cabo, o que opinavam os primeiros dois vizinhos de mesa era que Portugal se transformou num país onde as eleições se realizavam a torto e a direito, obrigando os cidadãos a um esforço incómodo de andar a correr para a urnas “por dá cá aquela palha”. Em face desta situação, os dois, se bem entendi, tinham programado já, para esse dia, uma saída pacífica, que os levasse a descansar a si e aos seus. Ir às urnas é que não, porque os votos nulos e as abstenções falam por si sempre e a situação de precariedade governativa continuará a pedir com urgência que os cidadãos exerçam de novo o seu direito de voto.
O interlocutor interveio, explicando que era necessário encarar-se a ida às urnas como uma forma de contribuir, por parte de cada cidadão, para o bom funcionamento do país. Condenava a abstenção cómoda, que a lei permitia ao deixar à consciência de cada eleitor o votar ou não, ou mesmo, não dar qualquer importância a esse assunto no que concerne à sua contribuição. O país necessita - acrescentava - que exerçamos os nossos direitos eleitorais. Se o não fazemos, somo cúmplices de uma apatia negativa, que depois criticamos como se não tivéssemos culpa na exiguidade das votações ou nas limitações de acção das pessoas que assumem o poder numa situação de debilidade. Somos cidadãos, observava, e a renúncia desleixada aos actos eleitorais deve tocar-nos a consciência.
Os dois vizinhos de mesa não disseram uma palavra. Calados, com custo corresponderam ao acto de despedida de quem os criticou com aprumo e os animou a mudarem de posição. Ou seja, a serem cidadãos conscientes dos seus deveres. No entanto, mal o viram na rua e à distância de não serem ouvidos, logo se riram e comunicaram os seus planos de passeios para esse dia. Certamente que não se preocuparam com a sua tibieza de cidadania. Um deles até exclamou: “Já tenho os meus planos de descanso e despreocupação para esse dia...Quem quiser votar, que vote. Eu faço aquilo que a lei me permite...”