Comemora-se em abril, desde 1989, o mês da prevenção dos maus tratos na infância. Não raras vezes, somos confrontados com as mais variadas apresentações deste fenómeno, tendo estas notícias passado já a fazer parte do nosso quotidiano. O que talvez a maioria não saiba, é que os maus tratos na infância, nos quais se incluem o abuso físico e psicológico, a negligência e o abuso sexual, têm efeitos profundos e duradouros sobre a saúde mental do indivíduo, persistindo ao longo da vida. A infância é uma fase crucial para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social, sendo que experiências adversas nesse período podem moldar a forma como o cérebro e o sistema nervoso respondem ao stress, afetando a capacidade da pessoa de lidar com as contrariedades na vida adulta.
Diversos estudos têm mostrado que crianças expostas a situações de maus tratos têm maior risco de desenvolver problemas de saúde mental na fase adulta, incluindo depressão, ansiedade, stress pós-traumático, transtornos de personalidade, entre outros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição precoce à violência está associada a alterações no funcionamento cerebral, particularmente nas áreas relacionadas com o controlo emocional e a tomada de decisões. Além disso, indivíduos que sofreram abusos na infância tendem a apresentar comportamentos autodestrutivos, como o abuso de substâncias e o suicídio, como uma forma de tentar lidar com as emoções reprimidas.
Evidências demonstram ainda que o trauma vivido na infância pode resultar num ciclo de sofrimento emocional que se perpetua ao longo da vida. Crianças que experienciam abusos, negligência ou qualquer outra forma de maus tratos, aprendem padrões disfuncionais de lidar com as suas emoções. Frequentemente, enfrentam também dificuldades na construção de vínculos afetivos seguros e salutares, essenciais para o desenvolvimento emocional saudável. Esta falta de apego e segurança podem levar a uma vulnerabilidade significativa e a dificuldades nas relações interpessoais durante a vida adulta, como o medo de abandono, dificuldade em confiar nos outros e problemas de autoestima.
Além dos efeitos psicológicos, os maus tratos na infância também têm um impacto significativo na saúde física dos adultos. O stress crónico relacionado com a violência infantil está associado a condições de saúde como hipertensão, doenças cardíacas e doenças autoimunes. Isso ocorre porque o corpo da criança, quando submetido a situações de abuso, fica constantemente em estado de alerta, o que prejudica a resposta fisiológica ao stress e pode causar danos a longo prazo.
Embora as cicatrizes possam ser visíveis e os seus efeitos possam ser dolorosos e difíceis de superar, a intervenção precoce e o suporte psicoterapêutico podem reduzir os danos e ajudar a pessoa a reconstruir a sua vida emocional e relacional. A sensibilização para o impacto dos maus tratos na infância é crucial, não só para a prevenção, mas também para a criação de condições de tratamento adequadas para aqueles que, já adultos, enfrentam as consequências desse sofrimento.
A prevenção, portanto, deve ser um compromisso coletivo, envolvendo políticas públicas, escolas e profissionais de saúde, de modo a garantir que as crianças cresçam em ambientes seguros e protetores, onde possam desenvolver-se de forma saudável e alcançar seu potencial máximo.