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44 anos sem Sá Carneiro

Completam-se 44 anos daquela manhã em que, perplexos, algo desamparados e confusos, no Liceu D Maria II em Braga, fomos tomando a consciência da morte de Sá Carneiro ocorrida na noite anterior, em circunstâncias nunca completamente esclarecidas, quando o avião no qual seguia se despenhou em Camarate, pouco depois da descolagem do aeroporto de Lisboa, quando se dirigia ao Porto para participar num comício de apoio ao candidato presidencial da coligação, o general  Soares Carneiro. “Acidente ou Atentado” é o título do filme.

O que importa na figura é o seu legado. E mais que a perceção que dele temos, conhecê-lo agora é ler o seu pensamento político. Nunca abandonou o país, foi incessante lutador pelos direitos, liberdade e garantias, achou por bem pugnar pela democracia por dentro do sistema, até ao limite que lhe foi consentido. No seu primeiro discurso político, proferido na sessão de propaganda eleitoral realizada em Matosinhos, em 12-10-1969, ainda crente que o então breve governo de Marcello Caetano, tendia “a melhoramentos económicos e sociais” e que alguma coisa se fez já em prol do desanuviamento político e social e da seriedade do próximo acto eleitoral”, não deixando de prosseguir que “há ainda muitos e muitos mas”, já corajosamente sustentava que “me parece essencial começar por procurar restabelecer o exercício efectivo dos direitos e liberdades fundamentais”.

Desiludido de Caetano, em entrevista (gravada) totalmente censurada, e dada ao Diário de Lisboa em 5-7-1972, revela o seu desapontamento: “esperavam-se verdadeiras reformas, indispensáveis e urgentes. Mas a evolução tem sido mera adaptação que permite ao regime manter-se fundamentalmente idêntico numa conjuntura diferente, subsistindo actualizado e talvez mais perene. Tudo continua como dantes e nós continuamos mais declaradamente sujeitos a um salazarismo sem Salazar” …” trata-se de um Estado autoritário que não reconhece os direitos e liberdades fundamentais”. A sua Declaração de renúncia do mandato de deputado, surge após o seu projecto de lei sobre "Amnistia de Crimes Políticos e Faltas Disciplinares" ter sido considerado "gravemente inconveniente" (25-1-1973). No seu discurso na Assembleia Nacional de 17/01/1972 exigiu resposta aos casos de prisões e buscas sem mandados e aos métodos de interrogatórios praticados, durante os quais se não admite a presença de advogado dos suspeitos presos, por se tratar de matéria de extrema gravidade, que põe em causa os mais elementares direitos humanos.

Foi este Humanista, defensor acérrimo no tempo da ditadura dos direitos políticos e liberdades para todos os cidadãos, que os comunistas e toda a extrema-esquerda viria a chamar no verão quente de 1975 de fascista! O seu amor pela democracia ressuscitou com o apoio imediato ao 25 de abril. Três dias antes da fundação do PSD, declarava que “vivemos uma oportunidade única…, de construir um país novo, humano e justo e não, apenas, um país para alguns”. Nas Linhas para um Programa apresentadas em Conferência de Imprensa – a 6/5/74, momento fundador do PPD/PSD, apresentou um esboço de linhas: a democratização do país; a escolha dos caminhos justos e equilibrados duma social-democracia, em que possam coexistir, na solidariedade, os ideais de liberdade e de igualdade.; uma visão social-democrata da vida económico-social que requer o desenvolvimento económico acelerado; - satisfação das necessidades com absoluta prioridade às condições de base da população (alimentação, habitação, educação, saúde e segurança social); justa distribuição do rendimento nacional; liberdade sindical, o direito à greve; adoção de medidas de justiça social (salário mínimo nacional, frequente atualização deste salário e das pensões de reforma e sobrevivência); a construção duma democracia política duradoira; a democratização da vida regional e local e a descentralização das estruturas do Poder; eliminação de todas as fórmulas discriminatórias da mulher; igualdade de oportunidades na educação e formação.

O mais relevante nas datas que marcam um acontecimento, é que permitem extrair recorrentemente para o nosso presente e futuro o que significam. Sá Carneiro já não está entre nós há 44 anos, mas o seu pensamento político tem tanta validade na atualidade como no dia em que o exprimiu e viveu. Ousemos recordá-lo nesta data com a leitura dos seus textos.

Carlos Vilas Boas

Carlos Vilas Boas

5 dezembro 2024