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Em piedosa e alegre expectativa…

 

 


 


 

Passada a Festa de Cristo Rei e Senhor do Universo, com a qual se encerra o Ano Litúrgico, preparamo-nos para dar início a um outro (no ciclo trianual, termina o Ano B e começa o Ano C), o que vai acontecer no próximo fim de semana, com o I Domingo do Advento.

A palavra latina adventus significa “vinda” ou “chegada” e remete para uma cerimónia em que um personagem proeminente (imperador, general ou governador) era recebido às portas da cidade e depois conduzido em procissão para o interior das muralhas, por regra em virtude de grandes feitos e conquistas. A cerimónia era anunciada com muita antecedência para que fosse possível fazer os preparativos necessários, tendo em conta que a pessoa em causa era louvada com cânticos, recebia presentes e, em seu nome, eram oferecidos sacrifícios aos deuses.

O uso da palavra em sentido cristão parece remontar aos finais do século IV da era cristã. Pelo ano 380, o Sínodo de Saragoça prescreveu uma preparação de três semanas para a Epifania, data em que também se celebrava o Natal. Este período de tempo tinha já, por esta altura, na Gália (atual França) e na Península Ibérica, um caráter ascético, marcado pelo jejum e pela abstinência, e chegava a durar 6 semanas, à semelhança da Quaresma1.

Um século depois, em Roma, o Sacramentário Gelasiano2 também já refere o Advento e é aí que, em finais do século VII, é acrescentada a sua dimensão escatológica, apontando para a segunda vinda do Senhor (Parusia). Passa a ser, no calendário cristão3, um período litúrgico em que os fiéis se preparam, de forma imediata, para a celebração do nascimento de Jesus, ao mesmo tempo que, de forma contínua, se mantêm em atitude de oração e vigilância.

O Advento está para o Natal como a Quaresma para a Páscoa. Carateriza-se pela espera e esperança, pela atenção e vigilância, pela preparação e alegria expectante. Nele se apregoa o arrependimento e se promove a fraternidade, a solidariedade e a paz. Tem uma duração de aproximadamente quatro semanas, começando no quarto domingo antes do Natal e terminando no dia 24 de dezembro.

É sugestivo que os dois primeiros domingos insistam mais na dimensão escatológica e os dois seguintes na dimensão histórica e celebrativa. De facto, na continuidade da Festa de Cristo Rei, as duas primeiras semanas voltam a expectativa para a segunda vinda (definitiva e gloriosa) de Jesus, Salvador e Senhor da história, no final dos tempos. As duas semanas seguintes visam a preparação imediata para a celebração do Natal. Tempo de piedosa e alegre expectativa, é nas “Antífonas do Ó”4 que tal piedade e alegria melhor se exprimem.

As principais figuras do Advento (Isaías, João Batista, Maria e José) servem de modelo para a vivência da fé e, em última instância, para a preparação do Natal. Os temas principais deste tempo litúrgico são a esperança (a expectativa jubilosa da vinda do Senhor), o arrependimento (conversão e preparação do coração), a alegria (gerada pela promessa da vinda de Cristo) e a paz (que Cristo traz ao mundo).

Os símbolos maiores do Advento são o roxo (cor litúrgica predominante), que simboliza a penitência e a preparação; a coroa do Advento, um círculo de ramos verdes com quatro velas (três roxas e uma rosa), que simbolizam a eternidade e a luz de Cristo5; o calendário do Advento, voltado sobretudo para as crianças, com uma contagem regressiva até ao Natal, muitas vezes recheado de pequenos presentes ou mensagens espirituais. Pode acrescentar-se a tudo isto a construção progressiva do presépio, colocando as figuras no seu devido lugar e também elas em atitude expectante.

Os procedimentos mais comuns deste tempo são a leitura da Bíblia (especialmente as passagens que falam das promessas messiânicas e dos eventos que antecedem o nascimento de Jesus), a missa Rorate6, a Novena do Menino e a prática da caridade para com os mais necessitados (partilha de bens).

Porque dá início a um tempo novo, o Advento sugere-nos uma nova forma de estar na vida, a concretizar-se nas diferentes dimensões que acabámos de referir. Vivê-lo assim é lançar as bases sólidas para uma correta e autêntica celebração do Natal.


 

1A esta prática chama-se também “Jejum da Natividade”, “Jejum do Advento” ou mesmo “Quaresma de S. Martinho”, dado que o início deste tempo acontece por volta do dia 11 de novembro. Na tradição ortodoxa oriental, tal jejum começa exatamente no dia 15 de novembro. 

2Foi um dos primeiros sacramentários da Igreja cristã e chama-se assim por ter sido produzido sob o pontificado do Papa Gelásio I (492-496). 

3O Advento é celebrado também nas Igrejas Reformadas (a Luterana, a Anglicana e a Calvinista, também designadas genericamente Igrejas Protestantes). Na Igreja Ortodoxa, há até um período de 40 dias de jejum, preparando o Natal.

4Atribuídas ao Papa Gregório Magno (+604), são sete e são cantadas de 17 a 23 de dezembro, antes e depois do Magnificat, na hora de Vésperas. A reforma litúrgica do pós-Vaticano II colocou-as também como estrofe da aclamação ao Evangelho. Começando pelo vocativo “Ó”, cada antífona é composta por uma invocação, ligada a um símbolo do Messias, e por uma súplica, introduzida pelo verbo “vir”. São um compêndio de cristologia da Igreja Antiga, um resumo expressivo do desejo de salvação, tanto de Israel (AT), como da Igreja (NT). Quando lidas em sentido inverso, as iniciais latinas da primeira palavra depois da interjeição “Ó”, resultam no acróstico ERO CRAS, que significa “serei/virei amanhã”, afigurando-se como resposta do Messias à súplica dos fiéis. 

5A vela rosa acende-se no terceiro domingo, o da Alegria (Gaudete).

6A Missa Rorate ou missa de acolhimento ao Natal é celebrada à luz das velas e assim chamada porque nela se canta, como cântico de entrada, a antífona Rorate coeli desuper (Is 45, 8). 


 

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

25 novembro 2024