Definitivamente, Barcelos está no topo da excelência mundial dos cuidados de saúde mental. A comprová-lo está o facto de, no ano passado, a Fundação Mundial da Saúde Mental lhe ter atribuído a distinção de primeira Capital Mundial de Saúde Mental. E, ainda, de ter sido palco de dois dos mais importantes congressos internacionais nessa matéria: um, o “RECOVERY Summit 2023 – II Congresso Internacional RECOVERY Portugal 2023”, realizado há cerca de um ano; e outro, o Congresso Internacional de Neurociência, Mente e Comportamento, organizado pela NeuroMind, no final da semana passada, ambos reunindo os mais altos dirigentes, especialistas e empresários em saúde mental, em Portugal e no resto do mundo, fazendo de Barcelos ponto de encontro universal para partilha de conhecimentos científicos, ideias inovadoras, práticas clínicas e políticas públicas nas referidas áreas.
Tal circunstancialismo teve já uma importantíssima consequência ao nível local – a criação, em 5 de junho findo, da Rede Municipal de Saúde Mental, integrando setenta instituições que assumiram o compromisso de prestar cuidados de saúde de proximidade e de, em conjunto, promover uma sociedade mais inclusiva e saudável, nos termos de um Plano Concelhio que se obrigaram a delinear e executar com a maior brevidade.
Para se chegar a este patamar de excelência, um longo caminho teve de ser percorrido, ultrapassando preconceitos, estigmas e obstáculos de toda a sorte, sempre com muito trabalho, humanismo, dedicação, misericórdia, paciência e amor ao próximo, dentro do mais puro espírito cristão.
Foi a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus – que deve o seu nome, estilo e inspiração ao santo português, nascido em Montemor-o-Novo – quem, em 1928, criou em Barcelos a Casa de Saúde de S. João de Deus, que bem depressa se tornou uma referência na saúde mental no Minho, de tal forma que, nos anos 60, os internados atingiam já a cifra de 700.
Não obstante, o estigma e o preconceito que sobre a doença mental pairavam então na sociedade portuguesa, aliados a alguns métodos de tratamento mais agressivos inicialmente utilizados (choques eléctricos, camisas-de-força, banhos de água fria, salas com paredes almofadadas, etc.), levaram a que a designada “Casa Amarela” (por ser essa a cor da pintura dos edifícios daquela Casa de Saúde) tivesse, durante alguns anos, uma conotação negativa: a quem se deslocava a Barcelos, era vulgar dizer-se, em tom jocoso, “Cuidado, que se te apanham na Casa Amarela já não te deixam sair de lá”. E também acontecia que, nos primeiros tempos, sobretudo aos domingos, algumas dezenas de pessoas ociosas e pouco caritativas acorriam ao terreno vizinho da Casa para se divertirem à custa dos pacientes, a quem inquietavam e de quem troçavam como se de animais de jardim zoológico se tratasse.
Mas tudo isso é passado longínquo, dos tempos em que a psiquiatria estava no limiar de se afirmar como especialidade médica e em que as doenças mentais eram incompreendidas e mal aceites.
Cerca de trinta anos volvidos, mais precisamente em 1957, a mesma Ordem Hospitaleira de S. João de Deus criou em Areias de Vilar, Barcelos, uma nova estrutura – a Casa de Saúde de S. José –, obedecendo a um novo conceito ou modelo de “Hospital-granja” que instalou no antigo Convento e Quinta de Vilar de Frades.
À semelhança do que então se fazia em alguns dos mais modernos hospitais psiquiátricos europeus, designadamente franceses, a terapia ocupacional ganhou foros de cidade, permitindo aos doentes a execução de trabalhos no campo, a que a maioria deles estava habituada e uma vida mais próxima do normal, sem que houvesse muros a separá-los das restantes pessoas da aldeia, facilitando assim a comunicação e integração dos pacientes na comunidade.
Entretanto, novas formas de reabilitação foram encetadas pelas duas casas de saúde, visando o mesmo objectivo de integração dos doentes na comunidade: residências autónomas, unidades de psico-geriatria e de apoio domiciliário e trabalho fora do hospital são, entre outras, formas mais evoluídas de tratamento das doenças do foro psiquiátrico.
E novas instituições, com prevalência das ligadas à sociedade civil, foram surgindo na área das deficiências e incapacidades, designadamente das relacionadas com a saúde mental, quer relativas a crianças e jovens quer a adultos, de que são exemplos, já com um vasto historial de sucesso, a Associação de Pais e Amigos Centrada na Inclusão (APACI), fundada em 1978 e a Associação de Pais e Amigos de Crianças (APAC), criada em 1995.
No âmbito de instituições mais especializadas em saúde mental, foi criada, em 2004, a Associação Recovery (Portugal) que vem mantendo unidades de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental na Infância e na Adolescência e também para adultos, com um forte potencial de vitalidade e de expansão.
Com todas estas respostas e dinâmica, percebem-se melhor as razões por que tão justamente foi atribuído a Barcelos o galardão de primeira Capital Mundial de Saúde Mental.
Se a tudo isto se vier a juntar, como creio, o cumprimento pela recém criada Rede Municipal de Saúde do compromisso assumido da elaboração do Plano Concelhio para prestação de cuidados de saúde de proximidade e da sua célere implementação, Barcelos terá motivo para que o seu nome fique para sempre gravado a ouro na história nacional e mundial da saúde mental e da inclusão social.