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Sociedade de fugitivos?

E eis que – quase sem darmos conta – nos fomos tornando uma acelerada sociedade de fugitivos.

A era da mobilidade deposita-nos praticamente em todos os lugares e leva-nos ao encontro de praticamente todas as pessoas.


 

Em conformidade, devíamos constituir uma sociedade de encontros.

Só que é tudo tão fugaz, tão padronizado e sobretudo tão veloz que, mal estamos a chegar, estamos logo a partir. A fugir?


 

Até nesta época do ano – em que a cadência tem tudo para ser mais pausada –, dificilmente nos encontramos por mais de umas horas, quando muito por uns breves dias.

Aparecemos, vindos de longe, agendamos umas visitas e, acto contínuo, partimos (fugimos?) para uma praia, para um «resort», deambulando de cidade para cidade, de hiper para hiper. 


 

As legiões de excursionistas dificilmente interagem com os residentes.

Seguem amestrados em fila, de telemóvel em punho, para – umas fotos depois – seguirem viagem.


 

Percorremos resmas de locais e passamos por múltiplas pessoas. Mas – verdadeiramente – conseguimos conhecer algo? Ou alguém?

O tempo é estival, mas a velocidade mantém-se vertiginosa e o semblante carregado, com uma carranca, por vezes, agressiva.


 

Insatisfeitos, passamos a vida a fugir: a fugir dos lugares e a fugir das pessoas.

Em cada lugar, já estamos a pensar no lugar seguinte. E, pouco depois de apertar a mão de uma pessoa que encontramos, já estamos a reapertá-la para a deixarmos.


 

Quem gosta de penar numa fila? Quem se dispõe boamente a esperar?

Os recordes de velocidade – nas provas desportivas e nos meios de deslocação – estão constantemente a ser batidos.


 

Reconhecidos são aqueles que fazem muito em pouco tempo. Quem valoriza o atendimento lento, demorado, acolhedor e sorridente?

Estaremos disponíveis para dedicar algum do nosso tempo a quem está só, doente e abandonado?


 

Parece que a nossa prioridade é fugir. Fugimos de Deus, fugimos dos sós e acabamos inclusive por fugir de nós.

Mas nem a evasão e a euforia nos abastecem de alegria. A fugir do que não nos apraz, há uma infusão de tristeza que nos rouba toda a paz.


 

No fundo, flutuamos aprisionados: aprisionados pelo nosso «eu». É por isso que – sinaliza Mia Couto – «mais belo que o canto do pássaro é o seu voo: é que nem todo o canto é de alegria, mas todo o voo é de liberdade».

Não é fugindo dos outros que reacenderemos a liberdade. Só voando ao seu encontro voltaremos a ser livres. E livremente felizes!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

30 julho 2024