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“Uma voz ainda atual”

 

 


 

Celebra-se hoje mesmo a Memória Litúrgica de S. Boaventura e os 750 anos da sua morte1. Foi professor na Universidade de Paris, Ministro-geral da Ordem dos Frades Menores (OFM), Cardeal e bispo de Albano, diocese situada a sudoeste de Roma e sua sufragânea. 

Filho de Giovanni di Fidanza e de Maria di Ritella, conhecida pela sua piedade e devoção, nasceu em 1217 (ou 2018), em Bagnoregio, província de Viterbo e região do Lácio, a cerca de 130 quilómetros a nordeste de Roma2. Foi-lhe dado o nome do pai e, ainda criança, esteve tão doente que nem seu pai, que era médico, acreditava que viesse a escapar da morte. A mãe, porém, recorreu a S. Francisco de Assis e o menino sobreviveu.

Em 1243, o pai enviou-o para Paris, a fim de estudar numa das mais conceituadas universidades da época. Foi aí que conheceu a Ordem Franciscana, cujo ideal e projeto veio a abraçar, adotando o nome de Boaventura. Cinco anos depois, com o Comentário ao Evangelho de S. Lucas, alcançou o bacharelato. Em 1253, já era professor na universidade em que estudou, apesar de só em 1257 lhe ter sido conferido o título de Mestre em Teologia.

Nesse mesmo ano, Frei Boaventura foi escolhido para Ministro Geral dos Frades Menores, cargo que o obrigou a deixar a docência e que desempenhou, durante 17 anos, com sabedoria e dedicação, visitando as províncias, escrevendo aos irmãos e intervindo, por vezes de forma algo severa, a fim de evitar abusos. Foi por essa altura que escreveu a Legenda Maior3, com o objetivo de fortalecer a unidade da Ordem que contava já com 30 mil frades! 

Em 1271, ofereceu-se para ajudar a resolver o mais longo conclave da história (entre novembro de 1268 e 1 de setembro de 1271). Foi eleito o Papa Gregório X que, a 3 de junho de 1273, o nomeou Bispo de Albano e Cardeal. Confiou-lhe o encargo de organizar, em Lyon, um concílio para a unidade entre e Igreja Latina e a Grega. Foi durante este concílio, no dia 15 de julho de 1274, que faleceu, de forma repentina e em circunstâncias suspeitas. Alguns afirmam até que terá sido envenenado. 

Publicou diversas obras, onde sobressai o Comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo, obra teológica de grande qualidade, em quatro volumes, escrita entre 1248 e 1255. Entre as suas obras mais pequenas, a mais famosa é o Itinerário da mente para Deus, datada de 1259. Deixou também numerosos sermões e escritos de natureza mística. Os seus escritos revelam-no como filósofo, teólogo e místico. 

Foi canonizado em 14 de abril de 1482 pelo Papa Sisto IV e declarado Doutor da Igreja em 1588, pelo Papa Sisto V, com o título “Doutor Seráfico”. As únicas relíquias que dele existem são o braço e a mão, preservados na Igreja Paroquial de S. Nicolau, em Bagnoregio.

No dizer do Papa Bento XVI, “ele é um teólogo eminente, que merece ser posto ao lado de outro grandíssimo pensador, seu contemporâneo, São Tomás de Aquino. Ambos perscrutaram os mistérios da Revelação, valorizando os recursos da razão humana, naquele diálogo fecundo entre fé e razão que carateriza a Idade Mádia cristã, fazendo dela uma época de grande vivacidade intelectual e também de fé e de renovação eclesial, muitas vezes não suficientemente evidenciada”4. A sua teologia é, de facto, uma tentativa notável e fecunda de integração entre a fé e a razão.

Para concluir, “como mestre de teologia, Boaventura ensina-nos o caminho da inteligência sapiencial, graças à qual se passa da escuridão confusa da floresta a uma compreensão mais profunda da nossa fé (iluminação), trazendo ‘à luz as coisas escondidas’. Como ministro da Ordem, relembra-nos o esforço que devemos realizar para fazer da nossa vida um testemunho animado de disponibilidade para a renovação (purificação) de modo que, também nas circunstâncias temporais e culturais radicalmente diversas, a nossa vida (...) permaneça como um ‘espelho luminoso de santidade’. Enquanto místico, mostra-nos o centro de onde tudo se origina e realiza, isto é, o Cristo Crucificado, que da Cruz nos doa ‘o fogo do Espírito Santo’, por meio do qual alcançamos o nosso fim último: ‘ser elevados’ e ‘configurados em Deus’, o Uno que preenche todas as coisas e que faz com que sejam boas e belas”5


 


 

1“O aniversário de setecentos e cinquenta anos da morte do Doutor Seráfico (...) oferece-nos hoje a ocasião de não só recordar e celebrar o serviço que ele realizou em favor da Ordem e da Igreja, mas também de propô-lo uma vez mais como um dom ainda válido e atual para os nossos dias” (São Boaventura, uma voz ainda atual. Carta dos Ministros Gerais da Primeira Ordem e da Terceira Ordem Regular por ocasião dos 750 anos da morte de São Boaventura).

2À época, Bagnoregio fazia parte dos Estados Pontifícios.

3Foi nessa obra que Giotto (1267-1337) se inspirou para pintar a série de Histórias de S. Francisco. Na sua edição abreviada, chama-se Legenda minor. O Capítulo geral dos Frades Menores de 1263, reunido em Pisa, reconheceu nela o retrato mais fiel de S. Francisco e, deste modo, ela tornou-se a biografia oficial do Santo.

4Audiência geral de 17 de março de 2010.

5São Boaventura, uma voz ainda atual.

P. João Alberto Correia

P. João Alberto Correia

15 julho 2024