Ainda a pandemia se não fazia sentir, o Governo de António Costa estava em muito maus lençóis. Apesar disso, não só recuperou como conseguiu, algum tempo depois, uma maioria absoluta, a segunda dos socialistas. Um acontecimento negativo e imprevisível acabava por dar a volta a uma situação de fragilidade e beneficiar, na altura, o infractor, aquele que se estava a comportar mal. O povo perdoou, talvez com medo de que a mudança pudesse alterar as medidas sanitárias que o estavam a proteger. No momento actual, um Governo minoritário, muito minoritário, ainda por cima com um início caracterizado pela aversão a coligações alargadas, pode estar prestes a safar-se. Poucos lhe adivinhavam futuro para além de uns poucos meses, face à indisponibilidade para considerar outras parcerias. Agora, parece que lhe basta não errar muito.
O receio do Partido Socialista em ser acusado de fazer com que Portugal perca fundos europeus com a convocação de eleições antecipadas vai levá-lo a viabilizar o Orçamento de Estado para 2025, ainda que passe pela abstenção, e a safar o Governo da Aliança Democrática de uma queda prematura. Evidentemente que não há certeza absoluta, embora possa bastar que Montenegro consiga desenvencilhar-se dos dossiers mais complicados, como são os casos das reivindicações dos profissionais da Educacão, da Administração Interna, da Justiça e da Saúde, o que não será pouco. Certo é que do primeiro já existe um acordo bastante inclusivo, podendo ainda evoluir mais. Se os demais tiverem evolução semelhante, a oposição não quererá seguir a via da aventura. Não será caso para se admitir condições para que se forme, logo depois, uma maioria absoluta protagonizada pela Aliança Democrática, tal qual aconteceu com António Costa, mas é provável que só após este momento apertado por que passa o Governo em exercício, salvaguardado o sucesso nas negociações em curso com os diferentes sindicatos, possa haver condições para que a oposição se comece a posicionar, e isto no pós 2025, para desferir alguma iniciativa mais consequente.
Não, não será por influência do Presidente que não iremos às urnas passados os seis meses que a Constituição estatui para que o Chefe de Estado promova novo acto eleitoral. Não voltaremos às urnas tão depressa como era ainda há pouco suposto, simplesmente, porque o Partido Socialista não quererá. Acredito que haverá sempre algum sentido de Estado a considerar, mas a razão primeira terá a ver com a estratégia eleitoral do maior partido da oposição. Provocar novas eleições, nas circunstâncias que se supõe que venham a verificar-se, com a resolução das reivindicações dos profissionais em luta, acabaria por ser prejudicial para quem protagonizasse a queda do Executivo. Marcelo avisou para as consequências de uma crise política, mas nenhum Presidente foi ou é mais determinante do que o interesse partidário de alguma força política. O cheiro a poder tem sempre mais força do que uma opinião, por mais avalizada que seja a sua origem.
Além do mais, os resultados das eleições Europeias do próximo mês terão o seu peso relativo na equação, mas apenas se houver uma derrota estrondosa da Aliança Democrática, cenário que enfraqueceria o argumento das “consequências para os fundos europeus” e fortaleceria o de que seria preferível a clarificação face à manutenção da instabilidade permanente que se instalaria nessas circunstâncias.
Mas, atenção, o Governo está sem grande margem de manobra nas negociações. Não pode falhar. As expectativas estão altas do lado de quem reivindica, sobretudo, depois do desfecho das negociações com os professores. Se o Governo falhar, vai ter problemas. Não convém ao Executivo, por isso, que os protestos se acendam, ainda que nada disto seja suficiente para manter o Governo por toda a legislatura. Seria preciso mais, muito mais, como descer à realidade e considerar seriamente o desenho de uma nova arquitectura de estabilidade.