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OS DIAS DA SEMANA A urgência de limitar o acesso aos ecrãs

 

A detenção de um adolescente de 17 anos, aluno do 9.º ano num estabelecimento de ensino de Santa Maria da Feira, noticiada ontem por toda a imprensa, podia ser apenas mais um lamentável fait-divers. Mas o que se ficou a saber é invulgarmente inquietante. O jovem é o presumível líder de um grupo criminoso que operava usando uma plataforma disponível na Internet, a Discord, sendo suspeito de incitamento à realização de diversos massacres em escolas no Brasil, um dos quais acabou por causar a morte de uma aluna e ferimentos em três. A chantagem, por vezes bem sucedida, a meninas impelidas a mutilarem-se é outra das acusações que impende sobre o rapaz.

A crueldade que ele demonstra é incrível e a sua gratuitidade é perturbadora. O adolescente, segundo revelou o director nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, estava a operacionalizar o assassinato de um mendigo, que seria transmitido em directo na Internet, estando os interessados obrigados a pagar para assistir a tudo [1].

A notícia é a enésima chamada de atenção para os perigos das plataformas digitais, para a necessidade de as regular e para a importância de promover uma ampla educação para os media.

O Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida, segundo se soube esta semana, pediu uma audiência ao ministro da Educação para apresentar propostas para a regulação do uso de telemóveis nas escolas portuguesas. O movimento, que lançou a petição “Viver o recreio escolar sem ecrãs de smartphones”, considera que o Governo deve regulamentar o uso de smartphones, restringindo o seu uso, considerando que tal “é uma forma de promover uma socialização saudável, combater a desatenção nas salas de aula, melhorar a aprendizagem e proteger as crianças do cyberbullying e do acesso precoce a conteúdos inapropriados para a sua idade (contacto, em muitos casos, involuntário e profundamente perturbador)” [2]. Com justificada pertinência, o Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida considera que “é urgente que o Governo actue nas escolas portuguesas, tal como está a ser feito um pouco por todo o mundo”.

É verdade. Em vários países, as iniciativas multiplicam-se. Nos Estados Unidos da América, um senador democrata, Brian Schatz, e um senador republicano, Ted Cruz, convergiram para apresentar uma nova versão de um projecto de lei para limitar o uso dos media sociais por crianças. Agora apresentada, a Lei Kids Off Social Media visa impedir que crianças menores de 13 anos acedam a redes sociais; proibir as empresas de media sociais de programar algoritmos para adolescentes menores de 17 anos; e dar às escolas a capacidade de bloquear o acesso às redes sociais [3].

Um conjunto de especialistas incumbidos pelo Presidente da República francês, Emmanuel Macron, de estudar os efeitos nocivos dos ecrãs e das redes sociais nos mais novos apresentou o resultado do seu trabalho na terça-feira [4]. A centralidade dos ecrãs, a insuficiência dos sistemas de enquadramento e de acompanhamento dos seus usos, assim como a falta de regulamentação, expõem os menores a “conteúdos chocantes, por vezes traumáticos, que podem pôr em causa o seu equilíbrio, a sua saúde e a sua segurança”.

É o caso dos conteúdos pornográficos (a idade média em que uma criança os encontra, acidentalmente, por vezes, é cada vez mais baixa), das cenas de violência, das imagens de guerra violentíssimas (com torturas ou execuções), disponíveis em redes sociais ou através de plataformas de mensagens que evoluíram para modelos de redes sociais. A acrescentar há uma verdadeira “explosão de ameaças on-line”, designadamente o ciberassédio, a extorsão sexual entre menores ou a explosão de fenómenos de “grooming” (quando um adulto procura entrar em contacto, sob identidade falsa, com um menor para lhe fazer propostas sexuais) [5]. 

“Em última análise, são sobretudo estes confrontos repetidos e múltiplos com a violência através dos diferentes meios de comunicação que podem dar origem à dessensibilização face à violência”, sublinham os especialistas. Para eles, importa procurar “resolver os riscos na fonte”, reforçando as obrigações dos actores económicos “que, em parte, produzem serviços predatórios, com uma concepção deletéria para as crianças” [6].

Assinalando a existência de um “consenso” sobre os efeitos negativos dos écrans, o diário Le Monde sublinhou três recomendações dos especialistas: que não se exponham crianças menores de 3 anos aos ecrãs, que se espere até aos 11 anos para entregar um telemóvel e até aos 13 anos para oferecer um smartphone com acesso à internet [7].

Limitar o acesso aos ecrãs é uma medida que não deve ser adiada.

 

 

 

[1] Mariana Oliveira – “Jovem que terá incitado massacres chantageava meninas a mutilarem-se”. Público, 4 de Maio de 2024 

[2] Lusa – “Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida pede audiência a ministro para regular telemóveis nas escolas”. Público, 2 de Maio de 2024

[3] Leigh Ann Caldwell e Theodoric Meyer – “Getting kids off social media is a uniting issue in the Senate”. The Washington Post, 30 de Abril de 2024.

[4] “Enfants et écrans À la recherche du temps perdu”.

[5] Nathalie Raulin – “Sur les écrans, le risque de la «désensibilisation» face aux «confrontations répétées» à la violence”. Libération, 30 de Abril de 2024 

[6] idem

[7] Pascale Santi – “Enfants et écrans: les effets négatifs font «consensus»”. Le Monde, 3 de Maio de 2024

Eduardo Jorge Madureira Lopes

Eduardo Jorge Madureira Lopes

5 maio 2024