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Quem muito fala pouco acerta?

Votei no atual Presidente da República, considerando, entre os que se candidataram, ser o que reunia as melhores condições para exercer a complexa função de Presidente da República.

Todos conhecemos bem, por via da televisão sobretudo, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) o atual presidente, atento o facto de o mesmo ter sido, durante largos anos, comentador político, para além de ter sido um destacado dirigente político e responsável governativo pelo PSD. Conhecemos a sua personalidade extrovertida, de se estender facilmente no discurso, mas igualmente de ser um homem sério, generoso, muito preocupado com as desigualdades sociais e económicas, principalmente dos nossos concidadãos mais desfavorecidos. Votei nele e não me arrependo.

Contudo, os últimos tempos não têm corrido bem a MRS. Com demasiada frequência, na medida em que fala demais, mete-se em trabalhos. Os jornalistas adoram estender-lhe armadilhas, bastando para o efeito apontar-lhe uma câmara e um microfone. MRS faz o resto e coloca-se (e ao país) em apuros.

As declarações que proferiu nas vésperas das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, num encontro com a imprensa estrangeira a trabalhar em Portugal, ultrapassaram, porém, todos os limites e deixaram os portugueses atónitos e muitos deles zangados.

O último programa do humorista Ricardo Araújo Pereira (que passa ao domingo na SIC com o título “Isto é gozar com quem trabalha”) foi quase todo ele baseado na enorme quantidade de matéria-prima que MRS forneceu no referido encontro com os jornalistas estrangeiros: o caso das gémeas brasileiras (ou portuguesas, ainda não percebi bem), a zanga com o filho, as qualidades/defeitos do anterior e do atual primeiro-ministro ou o maquiavelismo da Procuradora Geral da República). Mesmo assim Ricardo Araújo Pereira poupou MRS (ou deixou para o próximo domingo) ao episódio das declarações que proferiu sobre as reparações coloniais.

Daquilo que os portugueses perceberam, MRS acha que o país é devedor de uma dívida às ex-colónias e deve pagar indemnizações pelo seu papel no colonialismo e na escravatura. Estas declarações chocaram o país e provocaram uma enorme discussão. Será aqui impossível tratar convenientemente o assunto. Até porque muitos já opinaram abundantemente sobre isto.

Nasci em Angola, onde vivi os primeiros 15 anos da minha vida. Eu, como centenas de milhares de pessoas, tivemos que vir para Portugal na sequência do exemplar processo de descolonização e independência daquele e dos demais territórios que Portugal possuía em África e na Ásia.

A maior parte veio com uma mão à frente e outra atrás. Tudo lá deixou em termos de bens materiais, para não falar da parte afetiva, social e profissional. Muitos nunca se conseguiram recompor e refazer as suas vidas.

Quem os indemnizará? Quem reparará esses prejuízos?

Eu pessoalmente não me sinto culpado de nada (e também não me faço de vítima). Nem do colonialismo, nem da subjugação e dos crimes que terão sido cometidos contra a população indígena, nem da escravatura. Simplesmente, porque nada fiz. Tudo isso terá sido feito num determinado período histórico, num determinado contexto político e social. O nosso país foi aliás pioneiro na abolição da escravatura (em 1761).

Acredito também que a maioria dos meus compatriotas não se sintam culpados de nada e não aceitem que os impostos que pagam, sirvam para indemnizações e reparações do colonialismo e da escravatura. Como também não me sinto compelido a reclamar dos franceses, romanos, árabes muçulmanos, visigodos, entre muitos outros, que ocuparam a Península Ibérica, saquearam, mataram e impuseram a sua língua, cultura e leis.

Não culpo os romanos pela construção do templo de Diana, nem os árabes pela construção da alcáçova de Alhambra em Granada. Não pretendo reparações por terem construído um sistema de vias de comunicações, de aquedutos, de pontes e nos terem imposto a sua língua e a sua cultura, apesar de, no seu processo de conquista, esses povos terem morto e martirizado muitos dos que se lhes opuseram, ou mesmo, não resistindo, simplesmente porque eram detentores de algo que os invasores cobiçavam.

Felizmente, graças à evolução civilizacional, temos hoje valores, leis e instituições que impedem ou tornam muito mais difícil a conquista de um país ou região pela força. A escravatura é impossível, embora subsistam bolsas de escravos por esse mundo fora (neste preciso instante, uma das notícias que passam nos media é sobre um homem que foi mantido escravo por 17 anos em Bragança).

Agora o que me surpreende é ver MRS envolvido num movimento que, revisitando constantemente o passado com base no conhecimento, valores e no pensamento ideológico atual, contribui para alimentar o ódio, o racismo, a xenofobia, o populismo e a demagogia. Devemos olhar para o passado para aprender a não repetir o que de mau teve e naquilo que de mau teve devemos simplesmente perdoar e seguir em frente. O presente e o futuro apresentam problemas suficientes para resolver.

Fernando Viana

Fernando Viana

4 maio 2024