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Kafka na política portuguesa

A mudança de estratégia política do Chega, é uma mudança estranha. Nós apenas temos uma leitura, a literal, a que se me afirma como uma vergonha; agora os partidos são como os ensaístas que dizem o que o autor não disse e dizem aquilo que julgavam que o autor teria querido dizer. Para nós, que nadamos à margem destes lagos, a atitude do Chega em não apoiar Aguiar Branco para presidente da Assembleia da República, lembra-me a metamorfose do viajante de Kafka: da noite para o dia transformou-se num inseto repugnante. O que não sabia, e fiquei a saber depois da metamorfose do CHEGA em antissistema, é que se transformou da noite para o dia num partido perigoso que repugna ao povo português até ao âmago do seu sentir democracia. Esta não lhe pertence como propriedade de que pode pôr ou dispor; não porque o não queira, mas haverá “ sempre quem lhe resista, sempre quem diga não”; a metamorfose que fez de um dia para a noite, transformou-o num repúdio nacional, num desconforto total e avassalador. Mesmo para os seus sequazes a coisa não caiu bem. Eu várias vezes expressei a minha estranheza por aceitarem a extrema-esquerda e não aceitarem esta extrema-direita. Fundamentava a minha estranheza pelo facto destes extremos nenhum deles ser mais democrático um do que o outro. O que os diferencia agora, e me explica a discriminação, é o facto de os da esquerda nunca passarem de partidos de protesto e o Chega poder ser governo. E o perigo assim é real e mais próximo de uma ditadura da direita; o CHEGA de atirador furtivo passou a caçador licenciado: espreita a melhor oportunidade para atirar a matar a democracia. Estou certo que André Ventura criou um monstro que vive do passado e agora não controla os seus corifeus. Ainda há de ser traído por um deles. Para fugir a este aperto terá que ser cada vez mais radical, terá de se exceder constantemente porque sempre lhe dirão, ainda é pouco. Assim como o toureiro que cada vez arrisca mais a vida na arena até acabar por morrer nos cornos do touro, assim Ventura terá de ser extrema da extrema porque o acharão, um dia, um tolerante. Ninguém restaurará esse passado. Nem os bons resistem ao tempo que fará os outros. Não será, pois,  a democracia o seu carrasco porque a democracia é tão generosa que até os seus inimigos mete dentro de portas. A morte vir-lhe-á de dentro do seu partido que o esmagará se ele não fizer do inseto medonho de Kafka, que já fez, um outro ainda mais repugnante.

Paulo Fafe

Paulo Fafe

8 abril 2024