Num tempo de eleições, referência maior da democracia representativa, venho desafiar a atenção do leitor para uma reflexão sobre a evolução no direito ao voto em Portugal, desde as muitas restrições iniciais (1822) até hoje, num tempo em que alguns países europeus abriram o sufrágio aos jovens de 16 anos.
No alvor do liberalismo português, na nossa primeira Constituição (23/09/1822) a idade mínima geral para o direito de voto é estabelecida nos 25 anos. O sufrágio eleitoral afirma-se, então, tendencialmente universal masculino (ficam impedidos os filhos-família, os clérigos das ordens regulares não militares, os vadios, os criados de servir) e realiza-se de forma direta. Já os casados, os bacharéis, os oficiais militares e os clérigos das ordens sacras podiam votar a partir dos 20 anos. Esta primeira constituição revelou-se efémera, tendo vigorado, de forma intermitente (1822-23 e 1836-38), por pouco mais de dois anos.
Na Carta Constitucional de 1826, prevalecente no período liberal (1820-1910), o acesso ao direito de voto mantém-se nos 25 anos, requerendo-se uma idade mais baixa (21 anos) para os habituais grupos de indivíduos (homens) com mais formação ou posição profissional. A participação no sufrágio, a par de diversas exclusões de caráter socioprofissional, assume um perfil censitário (os pobres, sem um mínimo de rendimento estipulado, não podem votar), enquanto a eleição dos deputados passa a realizar-se de modo indireto (pequenos eleitores elegem em assembleias paroquiais os grandes eleitores a quem, por sua vez, cumprirá eleger os deputados). O universo eleitoral fica agora mais exclusivo da burguesia triunfante, acomodando ainda a alta nobreza e o alto clero através de uma Câmara de Pares, nomeados pelo rei.
A também efémera constituição de 1838 (1838-42) continuará a exigir a idade mínima de 25 anos para a participação eleitoral, afora as habituais exceções atrás referidas, num sufrágio ainda censitário, mas agora de novo realizado de forma direta.
Uma vez reposta em vigor em 1842, a Carta constitucional na sua 1ª revisão (1852) também assumirá o caráter direto na eleição dos deputados, num quadro de exigências censitárias atenuadas. Três revisões posteriores consagrarão ainda alguns acertos.
Chegados à República (1910), a idade mínima para participação no sufrágio eleitoral baixa para os 21 anos. Nas primeiras eleições republicanas, em maio de 1911, para votar será necessário saber ler e escrever, atributo dispensável para os que exibam a condição de “chefe de família”. O universo eleitoral sobe muito, mas não irá além dos cerca de 50% dos homens adultos. Todavia, uma nova lei eleitoral de 1913 arredará todos os analfabetos do direito de voto. O PRP (Partido Republicano Português) temia que as massas analfabetas, potencialmente mais manobráveis, pudessem alimentar eleitoralmente a vigorosa reação afirmada contra a República.
Durante o Estado Novo, o sufrágio, enviesado pela repressão, manter-se-á aberto aos maiores de 21 anos, com restrições de índole económica e capacitária, abrindo, porém, o voto a algumas mulheres mais instruídas.
Após o 25 de Abril de 1974, a idade mínima para o direito de voto, agora universal, é antecipada para os atuais 18 anos.
Hoje, alguns partidos, ou protagonistas políticos individualmente, têm defendido o direito de voto em Portugal a partir dos 16 anos. O assunto merece certamente ponderação. Alguns países da UE (e não só), casos da Alemanha (parcialmente), Bélgica, Áustria, Malta e Grécia concedem já o direito ao voto a partir dos 16 ou 17 anos de idade.
A Europa está predominantemente grisalha e, por via disso, os seniores conquistam uma atenção redobrada por parte dos partidos políticos, enquanto os jovens se veem pouco considerados. Uma vez abaixado o limiar da idade de votação, a atenção prestada aos jovens pelos diferentes partidos cresceria forçosamente.
Todavia, paradoxalmente, os jovens de hoje estão mentalmente menos maduros do que o observado um bom par de décadas atrás, quando a entrada mais precoce no mercado de trabalho arrastava, correlativamente, uma maturidade adiantada. Ademais, quando questionados diretamente, são até muitos os jovens que, verdadeiramente atrapalhados, desdenham a possibilidade de um direito ao voto mais precoce. Assim, não parece premente, e afigura-se discutível, a mudança. Mas há tendências que fluem, parece também.