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Não sei o que é o luto… Nunca perdi ninguém!

O luto pode ou não estar associado com a morte e as perdas podem ser reais (por morte), ou simbólicas, por expetativa. Todos nós já experienciamos pelo menos uma perda que nos levou a um processo de luto, isso é certo. Mas, quantas vezes pensamos que não temos motivos para estarmos tristes? Afinal, não perdemos nada e “não morreu ninguém” … Mas existem tantos outros lutos!

Então, e quando uma relação termina? Quando um amigo muda de cidade? E aquela desilusão que nos deixa tristes? Aquele “não” que não estávamos à espera de ouvir? Aquele projeto que foi recusado? O novo desafio que não vingou? Aquele exame médico que trouxe o diagnóstico mais temido? E o investimento que achávamos que correria bem e que resultou numa perda financeira? São tantos os sonhos, as expetativas e os projetos que passam pela nossa vida sem serem concretizados! E todos nós, já passamos por isso.

 Uma vez que já chamei à atenção para uma leitura mais atenta, é importante perceber, antes de mais, que o luto é uma reação a uma perda profunda com significado, que pode ser de algo, de alguém ou de uma situação concreta. O luto é a perda de uma perspetiva de vida e acontece quando um evento ou situação provoca um sentimento de dor, sofrimento, ausência e falta: a perda corroí a alma!

Estranhar ambientes, sentir-se desconectada de si e das suas emoções, passar pelos movimentos de vida (só porque sim), pode fazer com que a pessoa se sinta um verdadeiro fantoche, um ser inanimado que não vive… apenas sobrevive! Um ser que se perdeu, que não encontra uma âncora porque se foi perdendo da sua essência. Criou uma série de personagens, de pontos de vista e repete vezes sem conta as histórias contadas pela sua mente. Todos, sem exceção, já criamos diversos personagens, seja em casa, no trabalho ou com os nossos amigos. O ser humano molda-se à realidade externa e inevitavelmente, cria uma máscara.

A confusão instala-se quando não se percebe a tristeza e o luto. Imagine-se uma pessoa que, por dificuldades económicas aceita uma oferta de emprego que não a realiza? Certamente, sentir-se-á desapontada consigo mesma, por estar, de alguma forma, a desperdiçar os seus talentos. Neste caso, não estamos perante uma perda de emprego nem de uma perda financeira, mas, ainda assim, a pessoa pode estar a viver um luto pela profissão que gostaria de estar a exercer, que a faria sentir-se feliz e realizada. Por outro lado, pode sentir que está a perder tempo e oportunidades naquele emprego. É importante perceber que para estar a viver um luto, não é necessário acontecer “nada de mal”, a questão é sentir-se num labirinto de dor e tristeza profundas. A pessoa em luto pode não ter a capacidade de perceber o tamanho da perda e não ter a capacidade de criar novos objetivos, mover-se em direção a uma mudança de vida ou aceitar a sua realidade tal como é.

O luto vem convidar à auto-observação, à autoperceção e ao autoconhecimento. Precisamos ter coragem para abrir a nossa mente e o nosso coração para encontrar a nossa verdadeira essência, compreender os desafios da nossa vida e questionar o que está por trás da tristeza, da má disposição e da falta de vontade. É todo um ressignificar, não para criar algo novo, mas para encontrar aquilo que foi deixado para trás e permitir-se, sem julgamento, questionar-se a si mesmo se não estará a viver o “luto do que não viveu”?

Clarisse Queirós

Clarisse Queirós

9 fevereiro 2024