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O TEATRO ASSOCIATIVO (DITO AMADOR) ESTÁ A MORRER!

O teatro associativo, particularmente aquele que se inscreve no espaço da freguesia ou da paróquia, tem vindo a registar um declínio preocupante, apesar de, nas décadas de 80 e 90 do século passado, Braga ter sido um dos mais importantes polos de atividade teatral do país. De resto, foi nessas décadas que se criaram as bases socioculturais indispensáveis para a instalação na cidade de uma companhia profissional, a qual viria a ser peça-chave do processo de recuperação do Theatro Circo pela Câmara Municipal de Braga.

Desse movimento, que chegou a ter cerca de 20 grupos a fazer teatro, restam apenas três ou quatro, se nos ativermos exclusivamente àqueles que estão radicados em freguesias não urbanas. A esse declínio associativo soma-se o declínio da realização de espetáculos nessa mesma geografia não urbana. Não tenho notícia de que sejam levados a efeito muitas representações teatrais nos numerosos palcos das juntas de freguesia, dos centros culturais ou das paróquias. Por outro lado, pressinto que os detentores desses espaços públicos e privados (presidentes de junta, diretores associativos, párocos), salvo honrosas exceções, têm vindo a desinvestir no fomento de uma arte que sempre granjeou as graças do público.

O concelho de Braga teve uma tradição muito forte de teatro associativo, desde os grupos que existiram nas primeiras décadas do século XX, a saber: Sociedade Dramática Bracarense e Minho Artístico (ambos da cidade), até à enorme tradição teatral de Mire de Tibães que, durante muitas décadas, foi sustentada quer pelo mosteiro de S. Martinho de Tibães, quer pela Casa do Povo localizada no lugar de Ruães, e cuja história foi dada à estampa pelo Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, segundo uma investigação de Florêncio Manuel Matos Gonçalves (Memórias do Teatro, para a história de Mire de Tibães). O último assomo desta tradição nesta freguesia ocorreu na década de 80, pela mão do velho amador Arnaldo Rocha.

Outra tradição que se perdeu, foi a do Grupo Cénico da Juventude Católica de Merelim, grupo que tinha sempre as casas à cunha e chegou a fazer grandes itinerâncias por muitas localidades do norte do país. Teve também um assomo por iniciativa do Movimento da Juventude de Merelim, também na década de 80, mas não vingou. Por esse tempo, ainda vi, em Cabreiros, o grupo local levar à cena As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis, com o salão da junta de freguesia completamente lotado. O senhor presidente da junta da altura tudo fez para impedir o fim do teatro na aldeia, mas, infelizmente, não conseguiu atingir o seu desiderato. O mesmo aconteceu em Real, freguesia suburbana que depois de apresentar A Casa de Pais, de Francisco Ventura, no salão paroquial, também viu morrer o teatro, ainda que, durante algum tempo, a atividade tivesse prosseguido com o Grupo de Teatro Jovem.

Posto perante esta crise, temo que as tradições que ainda resistem fora do espaço urbano também se venham a extinguir num lapso de tempo mais ou menos dilatado. De momento, sei que em Arentim, Palmeira, Trandeiras (julgo que também em Sobreposta) o teatro está bom e recomenda-se, mas é preciso acompanhar e potenciar a atividade destes grupos, se não quisermos que o teatro associativo de raiz local entre em colapso definitivo. É que se não houver representações teatrais nas aldeias, o gosto perde-se e morre. E morrendo uma tradição artística, morre um pedaço da alma comunitária.

Autarcas, diretores associativos e párocos não se podem esquecer de que os palcos das suas aldeias e paróquias foram construídos por causa do teatro, para neles serem representadas peças do gosto popular, claro que também para outras artes, mas, em primeiro lugar, para o teatro. Por isso, tais salões não podem ser desviados dessa atividade primordial que sempre funcionou como espaço de expressão do imaginário coletivo. Fala-se tanto de identidade comunitária, mas pouco se faz por ela. O teatro, como a cultura em geral, ajuda a criar a coesão social indispensável para a qualidade de vida das populações. Que o diga o povo de Real que ainda há bem pouco recriou a fundação da sua paróquia pelo arcebispo D. Diogo de Sousa, graças à união das forças vivas da freguesia.

Fernando Pinheiro

Fernando Pinheiro

1 dezembro 2023